A Saida

Dois anos haviam passado desde aquele dia em que Leo gritou com o mundo, e o mundo respondeu com abraços. Agora, aos 10 anos, ele já se movia com firmeza, os olhos mais sérios, as mãos mais precisas. Havia amadurecido. Mas não era só ele.

O sol ainda surgia atrás das colinas quando o som das lâminas de treino começou a ecoar no pátio de terra. Galan, de braços cruzados, observava seus filhos e Leo aquecendo.

Aaron, agora com 12, parecia ter nascido para o combate. Seu corpo mais alto e postura disciplinada mostravam um guerreiro em formação. Encarava Erwin, um dos gêmeos, com um sorriso provocador.

— Vamos ver se aprendeu a levantar o escudo dessa vez — disse Aaron.

Erwin resmungou, girando a espada de madeira entre os dedos.

— Vamos ver se você aprendeu a desviar com classe.

O combate foi rápido e direto. Erwin atacava com agressividade, mas Aaron mantinha a calma, usando a técnica que Galan tanto insistira. Após alguns minutos de trocas, Aaron conseguiu desarmá-lo com um golpe no pulso, fazendo a espada voar.

— Primeiro ponto pra mim — disse, ofegante, estendendo a mão.

Erwin bufou, mas aceitou o gesto.

Logo em seguida, Milo se colocou na arena improvisada, encarando o outro gêmeo, Daren. Milo era o mais ágil, rápido como uma raposa, e tinha aprendido a usar o corpo leve a seu favor. Já Daren era metódico, paciente, e havia herdado do pai o olhar calculista.

— Se me acertar duas vezes, te dou minha maçã do almoço — disse Daren, sorrindo.

— Eu vou acertar três — respondeu Milo, confiante.

A luta foi mais longa, cheia de esquivas, tentativas de fintas, e risos contidos. Mas no fim, Daren aproveitou um tropeço de Milo para derrubá-lo com uma rasteira inesperada.

— Maçã garantida — murmurou, ajudando o irmão a levantar.

No alto da pequena escadaria que levava ao campo, Sarah treinava sozinha com o arco. Estava diferente — o cabelo preso em um rabo de cavalo, os braços mais firmes, o olhar determinado. Ela mirou calmamente em um alvo distante, respirou fundo… e soltou a flecha.

Thump. Centro do alvo.

Outra flecha. Outro acerto. Mesmo distante da arena, ela provava que também fazia parte daquele grupo de jovens em formação.

Leo observava, com orgulho escondido nos olhos. Mas sua atenção voltou quando Galan o chamou.

— Pronto?

Leo assentiu. Pegou sua espada de treino e caminhou para o centro.

Galan não vestia armadura, só os trajes simples. Ainda assim, sua presença era pesada.

— Vamos ver se aprendeu a usar mais que o instinto, Leo.

A luta começou devagar. Galan bloqueava tudo com facilidade, mas Leo se movia com técnica refinada — passos leves, olhos atentos, socos firmes.

Eles trocaram golpes por alguns minutos. Em determinado momento, Leo conseguiu surpreender Galan com uma estocada no ombro esquerdo. O mestre riu baixo.

— Você realmente cresceu.

— Você tá pegando leve — retrucou Leo, ofegante.

— Talvez — disse Galan, antes de dar um passo atrás e encerrar a luta. — Mas mesmo pegando leve, você aguentou bem.

Leo sorriu. Um sorriso discreto, mas verdadeiro.

Todos se reuniram após o treino, sentados ao redor de uma pequena fogueira improvisada, com cantis de água e pedaços de pão. O sol já estava alto.

Foi então que Galan se levantou, o rosto mais sério.

— Amanhã vamos à vila de Kalden. Estamos com pouca comida, e precisamos de mantimentos e sal para conservar as carnes.

— Kalden? — perguntou Judith, surgindo pela porta com Sarah ao lado. — Achei que evitávamos aquela direção.

Galan suspirou.

— É mais perto da fronteira com as Terras Queimadas. Não é o ideal, mas é o mais rápido. E os estoques não aguentam mais uma semana.

Leo olhou para os outros. Aaron estalava os dedos, animado com a ideia. Milo engoliu em seco. Sarah estava séria. Os gêmeos fingiam bravura, mas Galan sabia que todos sentiam o mesmo: algo no ar mudava.

Ele fitou Leo por um instante, como se pudesse ver além da pele e músculos.

— Nem todos vão. Judith não vai ficar sozinha aqui com a casa desprotegida — disse, cruzando os braços. — Eu vou escolher quem vem.

Aaron pareceu pronto para protestar, mas ficou em silêncio quando Galan ergueu a mão. Sarah, porém, deu um passo à frente.

— Eu vou — disse, sem hesitar.

Judith franziu o cenho.

— Sarah... você deveria ficar comigo. Já basta Galan e os outros indo.

Sarah apertou os punhos, tentando conter a raiva.

— Eu também sou parte disso. Sei lutar. Sei me cuidar. Se não deixarem eu ir... eu vou sozinha.

O silêncio foi imediato. Galan olhou fixamente para a menina — tão pequena, e ainda assim com uma convicção que ninguém ousava duvidar. Depois de alguns segundos, ele soltou um leve suspiro.

— Está bem. Mas você vai no centro do grupo. E não discute minhas ordens.

Sarah assentiu, sem tirar os olhos do pai.

Erwin um dos gemeos pareceu que queria ir, mas, depois de um tempo pensativo, falou:

- Prefiro ficar e cuidar das coisas, eu vou ficar e cuidar da mãe.

Milo tambem se aproximou, limpando as mãos na calça.

— Eu posso ficar. Nunca gostei dessas viagens mesmo...

Daren, o outro gêmeo, deu de ombros.

— Eu também prefiro ficar. Não vejo graça em carregar sacos de batata.

Galan assentiu, satisfeito com a escolha.

— Então está decidido.

Na manhã seguinte, o grupo se reuniu diante dos portões de madeira da fortaleza. Judith abraçou Sarah com força, murmurando palavras que só as duas ouviram. Daren e Milo acenaram de longe, já empoleirados em uma cerca como dois guardiões silenciosos.

Galan carregava uma espada curta presa à cintura. Não era ornamentada, mas visivelmente bem cuidada. 

Sarah caminhava no centro, com o arco atravessado nas costas, as flechas firmes na aljava. Os olhos atentos.

Aaron e Leo vinham a frete dos dois, os dois com pequenas mochilas e olhares que varriam os arredores como se procurassem perigos invisíveis entre as árvores.

O caminho até Kalden seria longo e exigiria atenção. O clima estava estável, mas a tensão pairava sutil no ar, como um aviso silencioso.

E então, sem alarde, os portões se fecharam atrás deles.

O grupo partiu.