O Quartel General

O portão principal do quartel se abriu com um rangido pesado, revelando um pátio imenso, movimentado por dezenas — talvez centenas — de jovens em formação, oficiais marchando, gritos de ordens e sons metálicos por toda parte. Um campo frio, de muros altos e torres de vigia, cercado por tensão.

Sarah olhava ao redor, tentando absorver tudo. O uniforme que haviam recebido era simples: cinza escuro, com uma tarja vermelha no ombro esquerdo. A sensação de vestir aquilo era estranha. Já não pareciam mais filhos de Galan, nem da vila. Agora, eram apenas mais peças na máquina da guerra.

Logo percebeu algo. Dentre tantos rostos, poucas mulheres. Muito poucas. Seu olhar se perdeu brevemente até que uma área chamou sua atenção — o campo de treino de arqueiros. Arcos alinhados, alvos à distância, e alguns soldados praticando disparos com precisão. Ela respirou fundo, tentando se aproximar.

Distraída com a visão, não percebeu quando esbarrou em alguém. Um soldado maior, de cabelos curtos e expressão arrogante.

— Ah! Me desculpa, eu— — começou a dizer.

— Olha pra onde anda, idiota — o rapaz rosnou, empurrando-a sem cerimônia.

Sarah cambaleou um passo para trás, surpresa. Mas antes que ela pudesse reagir, uma sombra surgiu entre eles.

Leo.

— Repete isso — ele disse, frio.

— Tá surdo, cotoco? Cai fora antes que eu—

O soco de Leo veio direto, rápido e limpo. O estalo foi seco, e o soldado mais velho caiu de lado, batendo o ombro no chão. Atordoado, tentou se levantar, e dessa vez tentou acertar Leo com um soco. Leo desviou com agilidade e devolveu com um chute no estômago, fazendo o rapaz cair de novo.

Dois amigos do valentão vieram por trás e seguraram Leo pelos braços, enquanto o outro se preparava para revidar. Sarah recuou, assustada, e Aaron já puxava a espada pela metade. Erwin também.

Antes que o golpe final acontecesse, um grito seco cortou o pátio.

— BASTA!

Um homem alto, de uniforme distinto, com um símbolo dourado no peito, avançou entre os recrutas. Seu olhar era frio e autoritário.

— Se todos quiserem começar a estadia aqui na cadeia, por mim tudo bem. — Ele olhou para os envolvidos — Agora soltem ele.

Os soldados recuaram. Leo ficou em pé, ofegante, mas firme. O oficial encarou-o por um instante e então disse:

— Tem sangue quente. Vai precisar disso. Mas é melhor não andar sozinho por aqui.

Leo olhou para trás. Viu Aaron e Erwin com as mãos nas armas, os dois prontos para intervir. Ele respirou mais aliviado. Talvez o oficial tivesse razão. Talvez fosse melhor assim.

O homem olhou para os outros.

— Isso acontece sempre. Novatos querendo provar força. Agora acabou. Guardem suas brigas para os Draverns. — Ele deu meia-volta e concluiu — Descansem. Amanhã começa a seleção das legiões, da 33ª à 40ª. Cada comandante vai escolher os seus.

O grupo dispersou lentamente. Sarah ainda estava um pouco abalada, mas sorriu de leve para Leo. Ele devolveu o olhar, cansado, mas seguro.

A noite caiu pesada sobre o quartel. O frio atravessava as mantas finas dos recrutas, e o silêncio que tomava os alojamentos era diferente do da vila — não era paz, era tensão. O som de passos, respirações contidas e pensamentos pesados preenchia o escuro.

Sarah se aproximou devagar do canto onde Leo estava deitado, olhos abertos, encarando o teto de madeira tosca. Sentou-se ao lado dele, abraçando os joelhos.

— Você tá estranho desde que saímos da vila — disse em voz baixa.

Leo não respondeu de imediato, apenas virou o rosto um pouco para o lado oposto.

— Não adianta fingir que não é nada — ela continuou. — Eu te conheço, Leo.

Um silêncio desconfortável pairou por alguns segundos, até que ele enfim falou:

— Era sobre o colar.

Sarah franziu a testa. — O que tem ele?

Leo suspirou, os olhos ainda fixos no teto.

— Eu... eu sempre achei que fosse da minha mãe. Era a única coisa que eu tinha. Pensava que talvez ela tivesse deixado aquilo pra mim, um sinal... alguma pista. Mas o Galan me contou. Era de outra pessoa. De uma amiga deles... que também morreu. — Fez uma pausa curta, a voz ficando mais contida. — Por um minuto, eu senti que estava perto de saber mais sobre minha família. Mas agora... parece que eles eram só... camponeses. Simples. Que morreram por nada.

Sarah abaixou a cabeça, com tristeza nos olhos.

— Não é por nada, Leo. Você tá aqui, com a gente. A gente te ama. Não é pouca coisa.

Leo apertou os olhos, tentando conter a angústia. — Eu sei... só que... é difícil. É como se eu tivesse me agarrado a um fio, e agora ele arrebentou. Tudo que sobrou é o vazio. — Ele se virou para o lado, de costas. — Desculpa, Sarah... eu só... acho que preciso dormir.

Sarah o observou por um tempo. Queria dizer mais, mas entendeu. Às vezes, o silêncio também cuida.

Ela se levantou devagar, e antes de ir para seu canto, falou baixinho:

— Só... toma cuidado, Leo. Aqui não é mais a vila. A gente precisa cuidar uns dos outros... mais do que nunca.

Leo não respondeu, mas seus olhos se fecharam, apertados, como se quisessem fugir de tudo por um instante.

Sarah deitou-se, sentindo o peso da nova vida. E ali, naquela noite fria, cada um enfrentava sua própria guerra, antes mesmo da batalha começar.