Episódio 10

Episódio 10 – Um Coração em Silêncio

Nunca gostei de hospitais.

O cheiro estéril, o som das máquinas apitando em ritmo constante, e aquele silêncio angustiante que só existe nos lugares onde a vida é sempre uma linha tênue entre o “vai melhorar” e o “nos desculpe”. Mas, naquela noite, não era só o hospital que parecia frio. Era também o mundo ao meu redor.

Minha mãe estava desacordada na UTI. Os médicos disseram que ela teve uma recaída respiratória. “Grave, mas estável”, foram as palavras. Eu segurei firme naquela última palavra. Estável. Porque era a única que não soava como uma sentença.

Leonardo estava lá. Em silêncio. De pé, recostado na parede branca e sem vida, com os braços cruzados e o olhar fixo no chão, como se estivesse tentando ler as rachaduras do piso. Ele não disse nada. Nem precisava. Sua presença ali já era o suficiente para confundir meus sentimentos.

— Você não precisava ter vindo — eu disse, baixinho, sentando ao lado dele.

— Eu quis vir — respondeu, com a mesma frieza de sempre, mas sem o veneno habitual.

— Achei que esse tipo de situação não fazia parte do contrato.

Ele olhou pra mim. Um olhar longo, fundo. Quase humano.

— Nem tudo na vida é contrato, Isabela.

Silêncio.

Naquela hora, eu não era “a mulher errada” e ele não era o bilionário arrogante. Só éramos dois humanos num hospital qualquer, tentando não desabar.

Na manhã seguinte, voltei à UTI para ver minha mãe. Ela ainda dormia, mas apertou minha mão quando me aproximei.

Chorei em silêncio. Mas não porque estava com medo. Chorei porque, pela primeira vez em muito tempo, percebi o quanto estava exausta. De lutar. De fingir. De aguentar.

Quando saí do quarto, Leonardo estava na cafeteria do hospital, tomando um café. Estava de terno ainda, o mesmo da noite anterior, com as mangas dobradas e a gravata afrouxada. Ele parecia deslocado ali — uma peça de luxo em meio a azulejos manchados e cadeiras plásticas.

— Você não foi embora? — perguntei, me aproximando.

Ele me ofereceu um café. Eu aceitei.

— Não podia te deixar sozinha. Não agora.

Suspirei.

— Obrigada.

Ele me olhou, sério, como se pesasse as palavras.

— Posso te fazer uma pergunta?

Assenti.

— Por que aceitou se casar comigo?

Pisquei, surpresa.

— Pensei que soubesse.

— Quero ouvir da sua boca.

Respirei fundo.

— Pelo dinheiro. Pela minha mãe. E porque achei que seria só um papel assinado… sem sentimentos.

Ele assentiu lentamente, como se confirmasse algo que já imaginava.

— E você? Por que aceitou se casar com uma mulher que nem conhecia?

Ele deu um meio sorriso, amargo.

— Porque eu não precisava de uma esposa. Precisava de um nome no papel. Uma herdeira, uma farsa com classe. Mas você… apareceu no lugar errado, na hora errada. E bagunçou tudo.

Ficamos em silêncio.

— Sabe o que é engraçado, Leonardo? — perguntei.

— O quê?

— Mesmo sendo tudo errado… tem momentos em que eu me sinto mais viva agora do que em toda a minha vida.

Ele me olhou de novo. Dessa vez, com algo novo. Um brilho estranho nos olhos. Quase carinho.

— Eu também.

Voltamos para casa dois dias depois. Minha mãe estava estável, como o médico prometeu. Deixei tudo organizado no hospital e garanti que Dona Celina cuidaria de visitar e ajudar com tudo em minha ausência.

No carro, o silêncio entre mim e Leonardo era confortável. Pela primeira vez, não era de gelo. Era de paz.

— Posso te fazer outra pergunta? — perguntei, encarando a estrada pela janela.

— Claro.

— Quando foi a última vez que você amou alguém?

Ele demorou.

— Eu não sei se já amei alguém, Isabela.

— Nem sua ex?

— Victoria é uma obsessão. Não um amor. E acho que ela sente o mesmo.

— E sua família?

— Morreram cedo. Me acostumei a não sentir falta de ninguém.

Fiquei quieta por alguns segundos, digerindo aquilo.

— E se eu te disser que estou começando a sentir algo por você?

Ele virou o rosto devagar, como se não tivesse certeza de ter escutado direito.

— Sentir?

— Não sei o que é ainda. Mas não é ódio. Nem indiferença.

Ele não disse nada. Apenas continuou dirigindo. Mas sua mão esquerda, que estava no câmbio, deslizou lentamente até tocar a minha. Não apertou. Só tocou. Como quem diz: eu escutei.

E aquilo, naquela hora, foi tudo o que eu precisava.

Mas, claro, paz demais é sinal de tempestade.

Ao chegarmos na mansão, Dona Celina nos aguardava com um envelope na mão.

— Chegou isso enquanto vocês estavam fora.

Leonardo pegou e abriu. Seus olhos endureceram ao ler.

— Droga…

— O que foi? — perguntei.

Ele me entregou o papel.

Era uma notificação judicial.

Victoria estava processando Leonardo por rompimento de contrato e… difamação.

— Ela vai jogar sujo — ele disse.

— E o que vamos fazer?

Ele me olhou com algo novo no olhar. Determinação.

— Agora, jogamos juntos.

E ali, pela primeira vez, percebi: não éramos mais estranhos fingindo um casamento. Estávamos nos tornando aliados.

Ou… algo a mais.