Episódio 21 – Pijama de Unicórnio e o Drama de um Bilionário
Você já se sentiu completamente deslocada numa mansão de cinquenta cômodos, enquanto anda de pantufas com orelhas de coelho e um pijama de unicórnio? Eu sim. E não foi só uma vez.
Naquela manhã, acordei decidida a ter um dia de paz. Sem bilhetes misteriosos, sem ligações ameaçadoras, sem Henrique fazendo cosplay de vilão de novela mexicana. Só eu, meu pijama cor-de-rosa com chifre brilhante, e um pacote de biscoitos amanteigados que eu escondi atrás dos vinhos caríssimos da adega.
Mas é claro que paz é algo que não existe quando se é a esposa por acidente de um bilionário frio, controlador e absolutamente alérgico a qualquer coisa que não seja preto, prata ou... reuniões com cifras de nove dígitos.
Desci até a cozinha cantarolando uma música que nem lembro de onde veio. A cozinheira quase teve um mini-infarto quando me viu assim.
— Senhora Vasques... você está... bem?
— Melhor impossível, Dora. Sabe onde está o chocolate?
Ela apontou para a dispensa, ainda me olhando como se eu tivesse perdido um parafuso — ou o contrato de casamento.
Peguei o pote de Nutella escondido atrás dos cereais fitness do Leonardo e levei pra sala. Me joguei no sofá, dei play num filme bem idiota de comédia romântica e comecei meu ritual sagrado: colheradas diretas do pote.
Foi nesse momento perfeito que Leonardo apareceu.
Vestido de terno. Impecável. Com uma pasta de couro na mão e o celular na outra orelha. Ele parou na porta da sala. Me olhou. Me escaneou.
Eu, de pantufas de coelhinho. Pijama de unicórnio. Cabelos presos num coque esquisito. E uma colher de sobremesa enfiada na boca, com Nutella até o nariz.
— Meu Deus... — ele sussurrou, chocado.
Sorri com a boca cheia.
— Bom dia pra você também, querido.
Ele desligou o celular e entrou na sala como quem pisa num campo de batalha.
— O que... o que você está vestindo?
— A prova viva de que o dinheiro não compra estilo, mas o conforto, sim.
— Isso é um… unicórnio?
— Com glitter no chifre — respondi, orgulhosa. — Esse pijama me salvou de duas crises existenciais e uma DR com a minha mãe. Respeita.
Ele coçou a testa, claramente tentando processar.
— Isabela, e se alguém me visse com você assim?
— Uau. Muito obrigada. Isso realmente melhorou minha autoestima.
Ele bufou, sentando-se do outro lado do sofá.
— Você não pode andar pela casa assim.
— Por quê? A casa é nossa, não? Ou você esqueceu que somos marido e mulher?
— Você está de pantufas com orelhas! E come Nutella no pote! Como um... um ogro!
— Errado. Ogros comem com as mãos. Eu uso colher. Ainda tenho classe.
Ele me encarou. Eu encarei de volta. Tensão. Silêncio. Mais tensão.
Até que, do nada, ele começou a rir.
Rir de verdade.
Leonardo Vasques, o homem que parece ter sido desenhado por uma caneta Montblanc e congelado emocionalmente em 1997, estava rindo. De mim. Comigo. Não sei.
— Você é… inacreditável, Isabela.
— Isso é um elogio?
— É o mais perto disso que consigo chegar hoje.
Eu sorri. Dei mais uma colherada na Nutella e empurrei o pote pra ele.
— Quer?
Ele me olhou como se eu tivesse oferecido urânio radioativo.
— Não, obrigado.
— Ah, vai... só uma colherada. Ninguém resiste.
Ele hesitou. Olhou pra mim. Pegou a colher. E provou.
— Hm. Isso é... bom.
— Digo mais. Isso é cura de alma. Receita sagrada de todas as minhas TPMs.
A cena seguinte foi ainda mais inacreditável: Leonardo Vasques comendo Nutella comigo no sofá, enquanto assistíamos a um filme em que a mocinha se apaixonava pelo entregador de pizza. E ele ainda fez um comentário:
— Esse entregador tem mais iniciativa do que o Henrique na vida inteira.
Eu gargalhei.
— Isso foi quase um elogio pra mim?
— Não se acostuma.
Mais tarde, eu já estava subindo para trocar de roupa quando ouvi a governanta comentar com um dos seguranças:
— Acho que a senhora Vasques tá domesticando o patrão.
Ri sozinha.
Mas a verdade é que, naquele dia, entre risadas e colheradas, eu percebi que, por trás da armadura de terno e frieza, havia um homem... humano.
Claro que no dia seguinte ele voltaria a ser o iceberg de Wall Street.
Mas por agora?
O chifre do meu unicórnio estava mais erguido do que nunca.
Fim do episódio 21.