Episódio 23 – O Orgulho Também Ama
Se tem uma coisa que eu aprendi nessa mansão de mármore e silêncios pesados é que o amor, quando existe, pode se esconder atrás do orgulho. Mas o meu orgulho… agora, era escudo. Eu não ia mais correr atrás de Leonardo Vasques. Não depois de descobrir que eu era só um número em um contrato.
Naquela manhã, ele tentou agir como se nada tivesse acontecido. Chegou na sala de jantar, sentou-se à mesa e pegou o jornal, como sempre.
— Dormiu bem? — perguntou, sem levantar os olhos.
Engoli em seco.
— Melhor do que quando dormia do seu lado.
Ele abaixou o jornal devagar. O olhar cortante. Mas eu não desviei o meu.
— Está começando a ficar corajosa — ele disse, tenso.
— Não. Só estou começando a ficar farta.
Silêncio.
A empregada trouxe café, pães e frutas. Eu peguei uma maçã. Mordi com gosto. Como se cada mordida fosse uma declaração de guerra.
Ele se levantou. Deu a volta na mesa. Parou atrás de mim.
— Você ainda é minha esposa, Isabela.
— Ah, claro. Até o vencimento do contrato, não é?
Ele se abaixou, o rosto perto do meu ouvido.
— Cuidado pra não se apaixonar pelo homem errado, noiva errada.
Virei o rosto para ele, desafiadora.
— Tarde demais. Eu já me apaixonei. Mas foi por alguém que achei que você era... por engano.
Ele piscou devagar. A expressão endureceu.
Saiu sem dizer mais nada.
**
Passei o dia fora. Fui até o hospital ver minha mãe. A saúde dela melhorava a passos lentos, mas estava sorridente, me contando das enfermeiras e dos biscoitos de canela.
— E o seu marido, minha filha? Ele é bom pra você?
Engoli o choro.
— Ele... ele é tudo, menos simples, mãe.
Ela apertou minha mão.
— Então faça ele conhecer a mulher forte que criou. Nem toda princesa precisa ser salva. Às vezes, ela salva o castelo inteiro.
**
Voltei pra mansão já de noite.
Chuva. Raios. Clima perfeito para um encontro tenso.
Leonardo estava no piano. Sim, o homem tocava piano como se escondesse mil segredos nas teclas.
Fiquei na porta observando.
Ele parou de tocar quando me viu.
— Fugiu pra sempre ou só por hoje?
— Achei que tinha permissão pra sair. Afinal, não sou prisioneira, né?
— Ainda não.
— Ainda? Está pensando em me trancar num quarto até o contrato expirar?
Ele sorriu de lado.
— Pensei em trancar você na minha cabeça. Mas você já faz isso sozinha.
Fiquei em silêncio. Eu queria tanto odiá-lo. Queria. Mas alguma coisa nele me confundia. Algo nos olhos. Algo que ele não dizia. Algo que doía até quando ele sorria.
Ele se aproximou.
— Está linda com raiva — murmurou.
— E você está perigoso com charme.
— Sempre fui.
— E eu sempre caí só uma vez.
— Já caiu?
— Já levantei também.
Ficamos ali, frente a frente. Tão perto e tão longe. Duas metades de uma guerra.
Ele ergueu a mão, hesitou… e depois tocou meu rosto.
Meu coração pulou.
Mas eu... recuei.
— Não se aproxime agora, Leonardo. Não com esse contrato entre nós.
Ele suspirou.
— Então me ensina. Me mostra como é ser seu marido... sem contrato.
Aquilo me desmontou por dentro. Mas não por fora.
— Quando você rasgar o contrato, eu penso. Até lá... boa noite.
Deixei ele ali. Sozinho. Sentado ao piano. Perdido em si mesmo.
E pela primeira vez, ele não tentou me seguir.
**
Naquela noite, não dormi.
Mas sonhei.
Com um beijo que não aconteceu.
E com um amor que talvez estivesse começando, onde menos deveria existir.