EPISÓDIO 3 – Uma Fagulha de Paz
Eu nunca gostei de trabalhar em grupo. Não porque sou solitária. Mas porque sempre tem alguém que não quer fazer nada, ou outro que quer fazer tudo sozinho. No meu antigo colégio, eu era aquela que acabava assumindo tudo só pra não tirar nota baixa. Aqui… eu nem sabia que nota viria. Só sabia que meu grupo era formado pelas meninas mais difíceis da turma.
Bianca, Camila e Alana. As três rainhas do Colégio Estrela Azul. E eu, a recém-chegada que ainda não sabia se podia abrir a boca sem virar piada.
— Tá, então você faz a introdução — Bianca repetiu, enquanto mexia no celular. — Eu fico com o desenvolvimento. Camila faz a conclusão. Alana… sei lá. O cartaz?
— Pode ser… — Alana murmurou, distraída com o próprio esmalte.
— Espera aí — arrisquei. — A professora disse que quer uma apresentação oral também. A gente vai ensaiar?
Silêncio.
— Eu não ensaio. Nunca precisei — respondeu Camila, cruzando os braços.
— Mas a apresentação é em dupla… — insisti. — Tem que ter entrosamento. Se a gente falar coisas diferentes, vai parecer que nem trabalhamos juntas.
Bianca me encarou. Era como se ela estivesse me analisando por dentro, tentando decidir se eu era uma ameaça ou só irritante.
— Você sempre fala assim? Certinha?
Engoli seco.
— Só tô tentando ajudar.
Ela suspirou.
— Tá. Amanhã no recreio a gente ensaia. Mas só porque é nota. Não pense que viramos melhores amigas, tá?
— Tá — respondi, tentando esconder o alívio.
No recreio do dia seguinte, fui até o Corredor 3. Elas estavam lá, como sempre, sentadas no banco largo, cercadas por outras meninas que riam alto e fingiam ser adultas demais para ter só dez ou onze anos.
Me aproximei com cuidado.
— A gente vai ensaiar?
— Calma, prodígio. Senta aí — disse Alana, rindo com um tom meio irônico.
Sentei. Peguei meu papel. Li a introdução em voz baixa, ensaiando.
— Você não precisa falar tão rápido — interrompeu Bianca. — Tá parecendo locutora de rádio.
Respirei fundo. Falei de novo, mais devagar.
— Melhor — ela disse, quase sorrindo.
Camila estava estranhamente calada. Só observava.
No fim do recreio, tínhamos um esboço de apresentação. E, por mais estranho que pareça… eu gostei.
Na hora da apresentação, a sala estava agitada. Todos os grupos estavam nervosos. Quando chegou nossa vez, senti minhas mãos suarem.
Fui a primeira a falar.
— O tema do nosso trabalho é: “As Emoções na Infância.” Escolhemos abordar como a escola influencia o que sentimos no dia a dia.
Olhei pro lado. Bianca me seguiu com confiança. Camila hesitou, mas falou firme. Alana apontou os tópicos no cartaz com graça.
Quando terminamos, a turma aplaudiu. E, o mais surpreendente: a professora sorriu de verdade.
— Excelente apresentação, meninas. Clareza, organização, e gostei especialmente da introdução. Quem escreveu?
Olhares se voltaram pra mim.
— Eu… — disse, envergonhada.
— Parabéns, Isabelly. Muito bem estruturado.
Senti meu coração pulsar. Mas não foi só pelo elogio. Foi porque, pela primeira vez, as outras três me olharam diferente. Não com zombaria. Mas com… respeito?
Na saída da escola, Léo me alcançou no portão.
— Você arrasou lá na frente.
— Obrigada. Achei que elas iam me ignorar, mas…
— Cuidado — ele disse, sério. — Quando elas deixam você se aproximar, nem sempre é sinal de amizade. Pode ser só estratégia.
— Estratégia?
— Pra manter os olhos em você. Ou te controlar.
Engoli seco.
— Você fala como se já tivesse passado por isso.
Ele desviou o olhar.
— Já vi acontecer com outros. Inclusive comigo.
Fiquei em silêncio. Havia mais em Léo do que ele mostrava.
— Mesmo assim — falei, por fim — eu acho que vi uma fagulha de paz hoje.
Ele sorriu de lado.
— Só não deixe essa fagulha virar fumaça.
Cheguei em casa exausta, mas feliz. Mamãe me abraçou como sempre e me encheu de perguntas.
— E aí, como foi o dia da “estrela que ainda não sabe o quanto brilha”?
— Talvez eu tenha começado a descobrir — respondi.
Naquela noite, enquanto deitava na cama, uma notificação apareceu no meu celular. Era uma mensagem no grupo do trabalho:
BIANCA:
“Boa apresentação hoje. Você manda bem. Quem diria.”
Sorri.
Talvez… só talvez… ser a Queridinha da Classe não significasse ser a mais popular.
Mas sim, aquela que todo mundo nota… por ser simplesmente quem é.
[Continua no Episódio 4…]