EPISÓDIO 5 – A Mentira das Meninas Perfeitas
Existe um tipo de silêncio que grita. E foi esse silêncio que senti quando entrei no banheiro feminino naquela segunda-feira.
Vi Bianca diante do espelho, retocando o brilho labial. Sozinha. Algo que nunca acontecia. Ela era sempre cercada pelas outras. Mas ali estava... só. E estranhamente frágil.
Fiz menção de sair, sem querer invadir.
— Fica — ela disse de repente, sem olhar pra mim.
Fiquei. Em pé. Sem saber o que dizer.
— Você já mentiu pra parecer forte?
A pergunta me pegou de surpresa.
— Já — respondi devagar. — Muitas vezes.
Ela respirou fundo e virou-se.
— Ontem, eu briguei com minha mãe. Por causa das notas. Ela disse que eu estou me distraindo com bobagens. Que sou um fracasso maquiado.
Senti um aperto no peito. Nunca imaginei Bianca insegura. Ela sempre parecia… invencível.
— Você não é um fracasso.
Ela deu uma risada seca.
— Você me conhece há o quê… duas semanas? Como pode saber?
— Porque eu vejo quando alguém finge sorrir. Eu faço isso também.
Ela me olhou como se me visse pela primeira vez.
Na sala de aula, as meninas do Corredor 3 estavam diferentes. Menos afiadas. Mais dispersas.
— Bianca tá estranha — comentou Alana. — Ela nem quis revisar a coreografia do festival.
— Será que ela tá doente? — murmurou Camila.
Olhei para Bianca. Ela estava desenhando no caderno. Um traço repetido, circular, como se tentasse fugir dentro da própria folha.
Naquela tarde, ela não foi ao ensaio do festival. E no dia seguinte… faltou à escola.
— Você quer ir até a casa dela? — perguntou Léo, surpreso.
Estávamos sentados no pátio, enquanto eu mexia na marmita sem fome.
— Quero. Acho que ela precisa.
— Ela é sua amiga agora?
— Talvez esteja se tornando. Ou talvez só precise de alguém agora.
Ele me olhou por um tempo.
— Cuidado com o quanto você se entrega. Nem todo mundo sabe devolver isso.
— Eu sei.
Mas eu também sabia que não podia simplesmente ignorar.
A casa de Bianca era enorme. Portões altos, jardim limpo demais, como se tudo ali fosse para mostrar algo — não exatamente para viver.
Foi a empregada que me atendeu. Disse que Bianca estava no quarto, que não queria visitas. Mas depois de muita insistência, ela permitiu.
Quando entrei, Bianca estava sentada no chão, encostada na cama, com uma caixa de fotos no colo.
— Eu era feliz aqui — ela disse, mostrando uma imagem dela pequena, no colo de um homem sorridente. — Antes do divórcio. Antes da cobrança. Antes de ter que ser perfeita.
Sentei ao lado dela. Em silêncio.
— Você sabia que eu nunca tirei um 10 antes daquele trabalho em grupo?
Olhei surpresa.
— Sério?
— Sério. Sempre fiquei no 8,5. No máximo, um 9. Mas minha mãe dizia que isso não era suficiente. “Você tem nome, Bianca. Tem aparência. Tem que ter resultado também.”
Respirei fundo.
— Mas você não precisa provar nada pra ninguém.
— Você não conhece minha mãe.
— E você não conhece a minha.
Ela me olhou.
— Então me conta.
E eu contei. Sobre como minha mãe era amorosa, mas às vezes ausente. Sobre as noites sozinha no quarto, sobre o medo de não ser boa o suficiente.
— Às vezes, eu acho que todo mundo aqui tem uma armadura — eu disse. — E que por baixo, somos todos só adolescentes tentando sobreviver.
Ela sorriu. Um sorriso frágil, mas sincero.
— Talvez seja isso mesmo.
Na semana seguinte, Bianca voltou à escola. Mais calma. Mais verdadeira.
E no ensaio do festival, quando Camila tentou alfinetar minha roupa improvisada, foi Bianca quem respondeu:
— Deixa de implicância, Camila. A Isabelly tem mais estilo que todas nós juntas.
As meninas riram. Mas dessa vez, não foi de deboche. Foi de leveza.
No fim do dia, Léo me esperou no portão.
— Então? A garota mais popular e a novata agora são melhores amigas?
— Acho que estamos só nos conhecendo de verdade.
— Isso pode ser perigoso.
— Ou libertador.
Ele sorriu, e por um momento, achei que estava com ciúmes. Mas logo ele desviou o olhar.
— Você está mudando, Isabelly.
— Talvez eu só esteja... me revelando.
Naquela noite, no meu diário, escrevi:
“As meninas perfeitas também choram. Também têm medo. Também mentem. E talvez, no fundo, estejam apenas esperando que alguém as veja sem as máscaras.”
“Hoje, vi Bianca. E acho que, pela primeira vez… ela também me viu.”
[Continua no Episódio 6…]