EPISÓDIO 11 – O Jogo Virou
Na terça-feira, a escola inteira parecia estar num estado de espera.
Esperando a próxima atitude de Camila. Esperando o meu erro. Esperando mais um episódio da guerra invisível que agora era comentada em todos os corredores como se fosse novela da televisão.
Só que essa não era ficção. Era a minha vida.
Entrei na sala decidida a não me intimidar. Camila estava sentada na carteira dela, de batom novo, cabelo preso num rabo de cavalo impecável, e um olhar de quem já tinha um plano arquitetado.
Ela me lançou um sorriso quase simpático.
Quase.
— Dormiu bem, Queridinha da Classe?
Alguns riram. Outros fingiram que não ouviram. Mas eu? Me mantive firme.
— Melhor que muitos, aparentemente.
Ela deu uma risadinha.
— Que bom. Vai precisar estar bem desperta... a semana promete.
No segundo tempo, a professora de português distribuiu os resultados da redação. Uma atividade sobre “empatia”. Irônico.
Quando recebi o meu, quase não acreditei: 10.
Logo abaixo da nota, a professora escreveu:
“Você cresceu muito, Isabelly. Seu texto tocou profundamente. Continue assim.”
Camila pegou a prova dela. Olhou a nota. 7,5.
Não comentou nada, mas a mandíbula dela travou. A expressão mudou. E foi aí que eu soube: algo vinha.
Na hora do almoço, fui à cantina com Bianca. Enquanto a gente escolhia um salgado, ouvimos um burburinho do outro lado do pátio.
— O que tá acontecendo? — perguntei.
Bianca se esticou pra enxergar.
— Aquela ali é a Clara, do 9º ano... Camila tá dizendo que ela copiou um trabalho.
— O quê?
— E adivinha quem entregou a denúncia? — Bianca arqueou a sobrancelha.
Camila.
Eu me aproximei e ouvi Camila dizer, em alto e bom tom:
— Se for copiar, ao menos faça direito. A originalidade é algo que poucos têm — ela olhou diretamente pra mim.
Não aguentei.
— Isso é injusto! A Clara é uma ótima aluna, todos sabem. Você não tem provas.
— Tenho sim — ela ergueu o celular, mostrando uma “suposta” captura de tela do trabalho da Clara em um site online.
Mas até eu percebi que aquilo era montado. O fundo da tela não combinava, o link era cortado.
A professora apareceu e interrompeu:
— Camila, se tiver provas legítimas, entregue na direção. Não é você quem julga os colegas.
Camila recuou, mas lançou outro olhar venenoso para mim. Eu não disse mais nada. Só olhei para a Clara, que quase chorava.
Foi ali que tomei uma decisão.
Naquela noite, escrevi um manifesto. Nada político, mas pessoal.
Expliquei tudo que aconteceu desde o começo do ano. Desde quando eu era invisível, passando pelo bullying velado, até o momento em que decidi não me calar.
Não mencionei nomes. Mas quem lesse saberia.
No final, pedi para que os alunos refletissem: “Vale a pena seguir alguém que lidera pelo medo? Ou é hora de mudar?”
No dia seguinte, colei cópias nas paredes da escola antes do sinal tocar. Com a ajuda de Bianca e dois meninos do 2º ano que curtiram minha última redação.
Em menos de meia hora, metade da escola já tinha lido.
Na aula de história, o professor interrompeu para comentar.
— Vi um texto muito interessante colado na parede do pátio. Reflexivo. Corajoso. Se quem escreveu estiver aqui, meus parabéns.
Olhei discretamente para Bianca, que só mordeu os lábios para não rir.
Camila? Bem… ela estava com o rosto tenso, as unhas cavando a madeira da carteira.
Na saída, encontrei Clara na porta.
— Obrigada, Isabelly. Ninguém nunca me defendeu assim.
— A verdade sempre se defende sozinha. Mas às vezes precisa de alguém pra dar voz.
Ela sorriu.
— É por isso que você é a verdadeira líder da classe. Mesmo que nunca tenha pedido esse título.
Fiquei sem palavras. Nunca pensei que alguém um dia me chamaria assim.
Na manhã seguinte, algo inesperado aconteceu.
Camila não apareceu.
Mas, dessa vez, não fiquei aliviada. Fiquei curiosa. E estranhamente… preocupada.
Na última aula, a diretora entrou na sala. Disse que haveria uma reunião com todos os representantes de turma e alguns alunos convidados. Eu estava na lista.
Na sala da diretoria, estavam Bianca, Léo, Clara… e Camila.
Ela estava sentada, com uma expressão indecifrável.
A diretora olhou para todos.
— Estamos aqui porque precisamos de mudanças. E mudanças reais começam com escuta. Camila, você gostaria de dizer algo?
Todos se viraram para ela.
Camila respirou fundo. Pela primeira vez, seu olhar não parecia arrogante. Parecia... humano.
— Eu… vim pedir desculpas.
Um silêncio denso tomou conta da sala.
— Fiz muita coisa errada. E mesmo que ninguém acredite, eu também passei por coisas que me fizeram agir assim. Mas isso não justifica. Eu tô disposta a mudar.
Olhei para ela sem saber o que dizer. A Camila que eu conhecia… teria armado uma vingança. Mas aquela ali parecia outra pessoa.
— A Isabelly me enfrentou. E me fez enxergar o que eu não queria ver. Talvez ela tenha feito por raiva… mas o resultado foi algo que ninguém teve coragem antes.
Ela me encarou.
— Obrigada. E desculpa.
Na saída, Bianca me cutucou.
— Será que é armação?
— Talvez.
— E se for sincero?
— Aí… talvez seja o começo de algo novo.
Ela riu.
— Nossa… você realmente virou a queridinha da classe.
Sorri.
Mas agora, mais do que isso… eu era a dona da minha história.
[Continua no Episódio 12...]