EPISÓDIO 12 – A Nova Regra do Jogo
Por mais que Camila tenha pedido desculpas, algo dentro de mim ainda hesitava em confiar.
Eu queria acreditar que ela estava mudando. Que aquele discurso na sala da diretora era sincero. Mas parte de mim ainda carregava as marcas dos olhares, das piadinhas, dos “acidentes” com suco e bilhetes anônimos.
E como diz o ditado que a minha mãe vive repetindo: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia.”
Na quarta-feira, Camila voltou diferente. Chegou na escola sem maquiagem. O cabelo preso de forma simples, sem o uniforme customizado que ela adorava exibir como se fosse peça de desfile. Sentou-se no fundo da sala. Em silêncio.
Até a professora de matemática estranhou.
— Camila, está tudo bem?
Ela apenas assentiu, sem encarar ninguém.
As meninas do grupinho dela cochichavam, incomodadas com o silêncio da antiga líder. Uma delas até tentou provocá-la:
— Nossa, tá de luto, é?
Mas Camila apenas respondeu:
— Tô de mudança.
A sala congelou. E eu também.
No recreio, fui abordada por uma aluna do 7º ano que eu nem conhecia direito.
— Você é a Isabelly, né?
Assenti, um pouco surpresa.
— Queria dizer que seu texto na parede foi incrível. Minha irmã mais velha também leu e disse que você devia ser escritora. Ah, e... posso sentar com vocês no intervalo?
Meu coração se aqueceu.
— Claro. Sempre cabe mais uma.
Bianca e Clara sorriram também. De repente, nossa mesa, que antes era isolada, virou um ponto de encontro.
No final do dia, fui chamada na sala da coordenação. Lá estavam a diretora e a coordenadora de convivência.
— Isabelly, seu comportamento nas últimas semanas tem sido exemplar. Sua atitude diante dos conflitos nos inspirou a tomar algumas medidas.
Engoli seco.
— Medidas?
— Sim. A escola vai iniciar um projeto chamado “Círculo de Diálogo”. Uma vez por semana, alguns alunos vão se reunir para conversar sobre problemas, conflitos e soluções. E gostaríamos que você fosse uma das mediadoras.
Minha boca se abriu.
— Eu?
— Sim. Você tem sensibilidade, escuta ativa e coragem. São qualidades que precisamos nesse projeto piloto. E claro, também convidamos a Camila. A ideia é que vocês duas possam representar lados diferentes que agora caminham para um entendimento.
Pensei por alguns segundos. Não queria parecer pretensiosa. Mas também não podia fugir disso.
— Eu aceito.
Na primeira reunião do círculo, fomos apenas sete alunos. Sentados em cadeiras em formato de roda, sem mesas, sem julgamentos. Bianca estava lá. Clara também. E sim… Camila.
O tema do dia era: Recomeços.
Todos falaram um pouco. Quando chegou a vez da Camila, a sala ficou em silêncio.
— É difícil admitir que fui cruel. Pior ainda é ter que olhar nos olhos de quem eu machuquei. Mas cada palavra da Isabelly me fez pensar no que eu queria esconder.
Ela respirou fundo, encarando o chão.
— A verdade é que eu sempre precisei estar no controle, porque… em casa, tudo era descontrole. Meu pai sumiu, minha mãe mal olha pra mim. A única forma de me sentir importante era aqui. Sendo a mais temida. A mais vista. Mas no fundo… eu só queria ser amada.
Olhei para ela, tentando entender aquela confissão.
— E agora?
Ela me olhou diretamente.
— Agora eu quero aprender a ser amável. De verdade.
Na semana seguinte, algo mudou.
A direção liberou o uso de uniforme personalizado às sextas-feiras, como forma de valorizar a criatividade. Um projeto que eu e Camila sugerimos juntas no Círculo de Diálogo.
Sim. Juntas.
Não, nós não viramos melhores amigas. Mas havia respeito.
E em uma dessas sextas, enquanto eu vestia minha camiseta com estampa de livro e frase da Clarice Lispector, vi Camila usar uma com a seguinte frase:
“Ser forte é também saber pedir desculpas.”
Sorri sem dizer nada.
Ela notou. E retribuiu com um leve aceno de cabeça.
Mas, como toda novela da vida real, nem tudo são flores.
Na segunda-feira seguinte, um novo aluno apareceu.
Seu nome era Pedro Henrique. Moreno, olhos claros, alto, voz tranquila. Todas as meninas da sala viraram o pescoço quando ele entrou.
— Boa tarde. Sou o Pedro. Acabei de me mudar de Recife. Espero fazer amigos aqui.
Amigos? Ele nem imaginava o campo minado em que estava pisando.
Na hora da saída, ele veio direto falar comigo.
— Oi, Isabelly, né?
Assenti, surpresa.
— A professora me falou sobre o projeto do Círculo. Fiquei curioso. Posso participar?
— Claro. Toda terça, depois da aula, na sala do grêmio. Você é bem-vindo.
— Legal. Você parece ser uma boa líder.
Sorri, um pouco sem graça.
— Eu só falo o que muita gente pensa, mas não tem coragem.
— Isso é o que bons líderes fazem.
Naquele dia, enquanto caminhava pra casa com Bianca, ela me cutucou com o cotovelo.
— Já vi que tem novidade.
— O quê?
— Pedro. Ele não parava de olhar pra você.
Revirei os olhos, mas por dentro, meu coração deu uma acelerada.
— Ah, não começa…
Ela riu.
— Queridinha da Classe e agora... do coração de Pedro?
E enquanto o céu começava a nublar, percebi algo importante: a vida na escola tinha mudado. Eu tinha mudado. Camila estava tentando mudar.
Mas o destino, esse sim, continuava cheio de reviravoltas.
E o próximo capítulo… prometia.
[Continua no Episódio 13...]