Capítulo 3

Capítulo 3 – Luz, Câmera, Caos

A primeira coisa que pensei quando vi a equipe de filmagem entrando pela porta principal foi: preciso de um stylist urgente.

A segunda coisa foi: não vou sobreviver a isso sem vinho ou terapia.

Três câmeras, duas produtoras com fones gigantes, um microfone na minha cara e um homem chamado Caíque, que parecia saído de um clipe da Beyoncé, começaram a transformar a mansão decadente em cenário de reality.

— Querida, você é um evento — disse Caíque, girando ao meu redor. — Preciso de luz, de emoção, de lágrimas! Essa história é um escândalo esperando para acontecer!

— Pode começar pelo encanamento. Vaza mais do que o grupo da família no WhatsApp.

— Perfeita! Cínica e charmosa. O público vai amar.

Eu ainda estava digerindo o roteiro do programa — sim, tinha um “roteiro flexível” — quando Eduardo entrou na sala, de camiseta preta e calça jeans justa. Os câmeras quase babaram. Eu, não. Eu sou madura. (Mentira. Babei por dentro.)

— Ah, o ex herdeiro! — gritou Caíque, abrindo os braços. — O vilão bonito. Pronto para sua redenção? Ou para destruir a mocinha?

— Depende da mocinha — ele respondeu, olhando direto pra mim.

— Depende do dia — retruquei, sorrindo.

Era isso. O reality seria sobre a nossa convivência dentro da casa. Eu, tentando salvar o patrimônio. Ele, tentando provar que eu era incapaz. E as câmeras captando cada faísca.

— Gravando em três... dois...

A luz vermelha da câmera acendeu. Eu respirei fundo, arrumei o cabelo, e disparei meu primeiro monólogo dramático na TV:

— Olá, Brasil. Me chamo Clarisse. Filha da ex-governanta, ex-namorada de um Albuquerque, atual dona falida desta mansão, herdeira de dívidas, um gato obeso e... de muitos desaforos. Bem-vindos à minha tragédia cômica.

— E eu sou Eduardo. O ex que ela ainda ama, mas nunca vai admitir.

— Não. — Virei pra câmera, séria. — É só ex. Ponto final.

Caíque gritou de emoção do outro lado da sala.

**

Nos dias seguintes, as gravações viraram minha vida. Café da manhã filmado. Discussões filmadas. Eu tropeçando na escada e quase derrubando um vaso do século XVIII? Filmado. (E, aparentemente, virou trend no TikTok.)

A internet estava surtando. Comentários como:

“Clarisse é minha nova religião”,

“O ex é um gostoso, mas ela merece coisa melhor”,

“Esse gato é um ícone!”

começaram a aparecer.

Mas o que ninguém via eram os bastidores.

Como o jeito que Eduardo olhava pra mim quando achava que ninguém estava olhando.

Ou o quanto eu ainda sentia meu coração acelerar quando nossas mãos se tocavam por acaso na cozinha.

— Você sabe que isso aqui é armadilha emocional, né? — falei, numa madrugada, sentados no jardim dos fundos, enquanto a equipe dormia.

— Sei. Mas talvez a gente precise de uma armadilha pra lembrar como era antes de tudo dar errado.

— Eduardo...

— Clarisse.

Silêncio.

— Por que você me deixou no baile? — disparei. — Nunca tive coragem de perguntar.

Ele respirou fundo. Olhou pro céu.

— Porque eu sou covarde. Porque te amar era fácil... e isso me apavorou. Porque a minha família disse que você era “inadequada”. E eu fui idiota o suficiente pra acreditar.

As palavras ficaram no ar. Doeram. Mas também libertaram.

— E agora? — perguntei.

Ele me olhou.

— Agora é sua vez de decidir.

E então ele se aproximou.

Devagar. Calmo. Com aquele olhar que bagunçava tudo em mim.

Mas antes que qualquer beijo pudesse acontecer...

— CLARISSE! — gritou Sueli da janela. — TARTUFO CAIU NA BANHEIRA COM SEU SUTIÃ NOVO!

Fim do momento romântico.

Mas tudo bem. Porque minha vida sempre foi assim: um passo para o romance, dois para o caos.

**

Na manhã seguinte, acordei com o celular explodindo.

Tendência número um no país: #AHerdeiraDoNada

Meu rosto. Minha história. Minha família surtando.

E uma notificação especial de Artur, o advogado-robô com olhos bonitos:

“Programa está rendendo audiência. Já há três patrocinadores interessados. Podemos cobrir quase metade da dívida.”

Quase.

Ainda faltava o resto.

Mas pela primeira vez, eu sentia que podia. Que ia. Que mesmo sendo a herdeira do nada... talvez eu conquistasse tudo.