A carruagem deslizou pelas ruas de Edelheim com uma suavidade que Klaus ainda não conseguia considerar normal. As rodas mágicas mal tocavam o solo, impulsionadas pelas bestas de mana que puxavam o veículo com vigor silencioso. O interior era confortável — assentos estofados, iluminação suave de cristais embutidos no teto e um feitiço de estabilidade que impedia até mesmo os solavancos mais bruscos.
Ele já havia andado de carruagens antes, claro. Durante as aulas preparatórias organizadas pelo Estado, era comum o transporte entre centros de formação e exames menores. Mas esses veículos eram simples, puxados por cavalos ou bestas comuns. Lentos. Ruidosos. Com bancos de madeira que castigavam as costas após uma hora de viagem.
Esta carruagem, no entanto, pertencia a outra categoria. Construída para longas jornadas e projetada para transportar pessoas importantes — ou, no mínimo, pessoas que o reino esperava que um dia se tornassem importantes.
Klaus deixou escapar um leve sorriso, sentindo a vibração controlada da mana ao redor do veículo. Era estranho pensar em como sua vida mudara tanto em somente uma década.
Sentado à sua frente, Lukas parecia completamente à vontade. O rapaz tinha uma presença expansiva, como se sua energia aumentasse naturalmente o espaço ao redor. Os cabelos vermelhos, encaracolados e indisciplinados formavam uma coroa vibrante sobre sua cabeça, em forte contraste com a aparência loura, arrumada e discreta dos von Hammer.
— Então — começou Lukas, esticando as pernas com um bocejo exagerado —, deixe-me adivinhar: você está nervoso, animado e se perguntando se vai dar conta de tudo isso ao mesmo tempo.
Klaus soltou uma risada leve, mais de nervosismo do que de negação.
— Algo assim — admitiu.
Lukas piscou, como se já soubesse exatamente o que o garoto estava sentindo.
— Todo mundo sente isso no começo. Quando me levaram até Falkenflug, eu tava tremendo igual a uma folha no outono. E para piorar, o cara que veio me buscar era um velho rabugento que reclamou da viagem inteira. Jurei para mim mesmo que, se algum dia tivesse que fazer isso, ia ser diferente.
Ele sorriu largo, como quem compartilha um segredo.
— Agradeço — disse Klaus, relaxando um pouco mais no assento.
— Nada disso. Estou no final da academia, no estágio. A Falkenflug nos coloca em missões externas para preparar para realidade da vida. Quando me formar, já tenho destino: vou entrar no clã Sternenmörder.
Lukas inflou o peito levemente, o orgulho transbordando em sua voz.
Klaus franziu o cenho, curioso.
— Clã Sternenmörder?
— Ah, sim. Sternenmörder. Significa algo como "Assassino de Estrelas".
Lukas riu de sua própria explicação exagerada.
— Nome pomposo, né? Mas é um dos clãs mais respeitados de Reisenmark. A especialidade deles é lidar com portais difíceis e caçadas dentro de Dungeons. Trabalho sujo, mas alguém tem que fazer.
Klaus assentiu, absorvendo cada palavra. A vida além dos muros da academia parecia mais concreta ouvindo Lukas falar.
— E você é...? — perguntou, deixando a frase no ar.
— Mago de fogo — respondeu Lukas, animado. — Treinei feito um louco para chegar onde estou. Meu ranking atual em manipulação de fogo é B-, o que não é nada mal. Claro que ainda tô longe dos magos de elite, mas... — ele deu de ombros — dá para fazer alguma bagunça se precisar.
— E seu potencial? — Klaus perguntou, intrigado.
O sorriso de Lukas se suavizou um pouco.
— Cinco estrelas. Nada impressionante.
Ele fez um gesto casual, como quem afasta algo insignificante.
— Mas a verdade é: potencial não é tudo. Tenho um sonho, sabe? Chegar a seis estrelas. Sei que parece impossível, mas se eu treinar o suficiente, se aproveitar cada chance... quem sabe?
Seus olhos brilhavam com uma determinação quase infantil, mas genuína.
Klaus sorriu novamente, dessa vez de forma mais aberta. A energia de Lukas era contagiante — uma chama que se recusava a apagar, mesmo diante das dificuldades.
A carruagem seguia em frente, e pelas janelas encantadas, as ruas de Edelheim iam se tornando menos densas e menos povoadas. A estrada para Falkenflug se abria diante deles, ladeada por campos de mana que brilhavam suavemente sob a luz do sol nascente.
— Ainda tem bastante chão até lá, pelo menos uns dois dias — disse Lukas, apoiando os braços atrás da cabeça. — Aproveita para descansar. Quando chegar, começa a correria.
Klaus assentiu, fechando os olhos por um instante. A ansiedade ainda estava lá, pulsando em algum lugar dentro dele. Mas, pela primeira vez naquela manhã, parecia mais fácil de carregar.
Logo dois dias se passaram rapidamente.