Klaus despertou com uma dor surda nas costas, um latejar incômodo que se tornara familiar. O ácido deixara marcas, mas a poção de cura ajudara o suficiente para que ele se movesse sem sentir que sua pele estava sendo rasgada a cada gesto. Ele respirou fundo, o cheiro da vegetação úmida misturando-se ao ar estagnado da masmorra.
Nada ali indicava que um novo dia havia começado—o céu cinzento e imóvel permanecia o mesmo, indiferente ao tempo. Mas seu relógio mágico marcava as horas, e o silêncio do acampamento improvisado confirmava que nenhum monstro havia tentado atravessar a barreira do pó repelente.
Ele se sentou devagar, sentindo os músculos tensos se ajustarem ao movimento. O cansaço ainda estava presente, mas não era o tipo que o arrastava para a exaustão absoluta como nos primeiros dias. Era o tipo que ele podia carregar consigo, que tornava seus passos mais pesados, mas não o impedia de continuar.
O que ocupava seus pensamentos, no entanto, não era apenas a dor ou o cansaço.
Era Lisette.
Dividir o acampamento com ela na noite anterior havia sido inesperado. Um pequeno detalhe naquele mundo de sobrevivência, mas algo que permanecia em sua mente. Ele havia mantido distância, claro. Quando ela desapareceu atrás das colinas para tomar banho, ele se ocupou com outras coisas, não porque precisasse, mas porque era o mínimo que devia fazer.
Mas ignorar sua presença era impossível.
Lisette não era uma mulher que chamaria atenção em um baile da corte por exuberância, mas possuía uma harmonia quase impecável. Seus traços eram finos, os músculos esculpidos pelo treinamento rigoroso, a postura imaculada. Ela era ágil, graciosa, e… alta. Mais alta que ele, ainda que por pouco.
Aquilo o intrigava mais do que deveria.
Talvez fosse o conjunto. Talvez fosse o olhar dela—sempre atento, sempre firme.
Ou talvez fosse a frieza calculada, a maneira como sua presença era sentida mesmo no silêncio, mesmo quando não dizia nada.
Klaus respirou fundo e se forçou a focar em outra coisa. Ele estava em missão. Em uma masmorra. Pensar nisso agora era estúpido.
Pegou o frasco de nutrivital e ingeriu o líquido denso e sem sabor, sentindo sua energia se recuperar gradualmente. Enquanto organizava sua mochila, suas mãos se moviam no automático—marreta presa às costas, verificar as poções, garantir que não havia nada fora do lugar. Seu corpo ainda doía, mas ele se sentia pronto.
Foi então que ouviu passos vindo pelo declive.
O instinto o fez levar a mão à marreta, mas ele relaxou no instante seguinte ao ver Lisette se aproximando.
— Bom dia.
A voz dela era calma e precisa, sem traços de hesitação.
— Bom dia, — respondeu Klaus, um pouco mais rápido do que o normal.
Ela parou a poucos passos, observando o céu cinzento como se esperasse que ele dissesse algo. Quando percebeu que Klaus apenas observava, finalmente quebrou o silêncio.
— Vou testar sua estratégia hoje.
Klaus arqueou uma sobrancelha.
— A de atrair os monstros e sair antes de outros chegarem?
— Sim.
A resposta foi simples, mas carregada de significado.
— Ontem... ela funcionou bem para mim. Fiquei pensando nisso a noite toda. Parece que você conseguiu entender o padrão da masmorra antes de qualquer um. É inteligente.
Klaus soltou um leve sorriso, sem graça.
— Eu só queria sobreviver.
Lisette observou-o com aqueles olhos afiados, avaliando sua expressão, e então respondeu sem alterar o tom.
— Às vezes, é o instinto que salva, não o talento.
Ela não disse mais nada depois disso.
Virou-se e caminhou em direção ao campo sem hesitação, desaparecendo entre as altas plantas da planície cinzenta.
Klaus permaneceu ali, observando-a por um breve momento.
Tomara que dê certo pra ela também.