Minha memória não começa com o primeiro respiro, como a de outros. Ela começa antes, no calor abafado do ventre da minha mãe, onde vozes distantes e emoções cruas se entrelaçavam como fios de um tapete que eu ainda não compreendia.
Eu, Greta von Hammer, lembro de tudo: as conversas sussurradas na casa fria das favelas de Edelheim, o ranger da madeira sob os passos pesados do meu pai, o tom cansado da minha mãe enquanto falava de dívidas e dos ferimentos mal curados do pai.
A família von Hammer, outrora respeitada nas terras de Reisenmark, estava à beira do colapso — seus recursos esgotados, sua esperança minguando como uma vela ao vento.
Eu sentia o peso dessas palavras, mesmo sem corpo para carregá-las, e ouvia o desespero contido nos silêncios entre elas.
Mas então, algo mudou. Um nome passou a brilhar nas conversas, trazendo uma faísca de luz: Klaus, meu irmão.
Aos cinco anos, ele foi testado no santuário de Der Eine, e as sete estrelas de seu potencial para as armas foram reveladas — um potencial raramente visto no reino e, com isso, uma promessa de redenção para nossa linhagem.
Ainda no ventre, senti a alegria da minha mãe como um calor que me envolvia e soube que tudo poderia mudar por causa dele.
Mas Klaus, mesmo tão jovem, não viu sua luz como o centro do mundo.
Lembro-me de sua voz, clara e cheia de convicção, ecoando na sala simples onde a família se reunia:
— Eu não sou o impressionante. Minha irmãzinha vai ser.
Ele tinha acabado de fazer o teste e, mesmo com todos dizendo o quanto ele seria incrível, só falava de mim.
Eu ainda não nascera, e mesmo assim ele depositava em mim uma fé que eu não podia entender. Essas palavras se gravaram em mim — não como um peso, mas como uma âncora.
Cresci ouvindo-as repetidas na minha mente, enquanto o mundo ao meu redor se revelava.
Quando nasci, a situação da família melhorou, graças às oportunidades que as sete estrelas de Klaus abriram — bolsas de estudo, apoio de nobres menores, um caminho para a Falkenflug Akademie, que seria pago pelo reino, mas que meu irmão teria de quitar até os trinta anos.
À medida que crescia, minha memória afiada capturava tudo. Aos cinco anos, fui testada, e o veredicto veio como um trovão: dez estrelas.
Um potencial quase mítico, algo que Reisenmark não via há gerações.
De repente, os olhares mudaram. Nobres, professores enviados pelo rei, até vizinhos de Reisenmark falavam de mim como um prodígio, uma salvadora.
Mas, para Klaus, algo mudou.
As pessoas olhavam para ele com sorrisos falsos, elogiando-o na frente, mas sussurrando nas costas que sete estrelas eram "apenas boas", não excepcionais.
Ele era o herdeiro von Hammer, mas para muitos, apenas um degrau para algo maior — eu.
Eles lhe reservavam pena ou desdém.
Ouvi conversas que não deveria: professores que viam nossa casa murmurando que — se eu fosse o irmão, sentiria ciúmes; um instrutor real dizendo que — Klaus nunca igualará a irmã; até uma vizinha, pensando que eu não escutava, comentou:
— Seria melhor se Greta fosse filha única.
Essas palavras cortavam — não por mim, mas por ele.
Eles não viam o que eu via: Klaus, com seu sorriso largo, comemorando cada pequeno passo meu, ensinando-me a segurar uma espada de madeira, rindo quando eu tropeçava e dizendo:
— Você vai ser a melhor, Greta. Mesmo que sua aptidão seja para magia, deve aprender tudo o que puder, mesmo que pareça inútil.
Talvez alguns vissem competição, ou uma tentativa dele de me arrastar para baixo.
Eu, entretanto, via amor.
Eles não conheciam meu irmão.
Enquanto o mundo se preocupava com meu talento, imaginando que Klaus poderia me odiar, eu via o oposto.
Ele vibrava com cada conquista minha, como se fossem suas.
Eu sabia que um dia o superaria — em poder, em fama, talvez em tudo o que a academia valorizava. Minha décima estrela garantia isso.
Mas o que me mantinha firme era ele. Klaus, com sua teimosia, sua risada fácil, sua fé inabalável em mim, mesmo quando o mundo o diminuía.
Mesmo depois de entrar em Falkenflug, e ter que suportar os monstros, a inveja e a competição acirrada, ele ainda sorria, chamando-me de "mana" e prometendo que estaríamos juntos, não importava o que viesse.
Eu admirava seu caráter, sua força invisível, mais do que qualquer magia que eu pudesse dominar.
Ele era meu irmãozão, meu primeiro herói — e nada, nem dez estrelas, nem os sussurros do mundo, mudaria isso.