O calor da fogueira improvisada aquecia a clareira, contrastando com o frescor peculiar que emanava do solo da masmorra. Acima, o céu permanecia um azul imaculado, sem nuvens, sem sol, sem o menor sinal de movimento — uma tela estática, como se um pintor cósmico tivesse esquecido de dar vida à abóbada celeste. A luz difusa era suficiente para iluminar a vegetação avermelhada e os troncos escuros ao redor, mas a ausência de mudanças tornava impossível rastrear o tempo.
— É... bizarro — murmurou Klaus, os olhos fixos no vazio azul, a marreta apoiada ao seu lado.
— Masmorras de nível superior são assim — disse Leonhard, cutucando a fogueira com um galho, as chamas dançando em reflexos nos óculos tortos. — Algumas têm céus infinitos, outras neblina eterna ou até gravidade instável.
Sentada com as pernas cruzadas, Emília completou, o bastão mágico repousando em seu colo:
— Isso aqui é tranquilo, comparado a algumas histórias que ouvi. Pelo menos temos chão firme e ar que não queima os pulmões.
Sua voz era calma, mas carregava a experiência de quem já enfrentara o inesperado.
O grupo assentiu, o silêncio caindo por um instante. O ambiente, embora estranho, era tolerável, e a fogueira oferecia um conforto que todos precisavam. Reunidos em círculo, decidiram traçar estratégias para os próximos combates. A luta contra a salamandra classe Elite revelara uma verdade dura: força bruta não bastava.
— Precisamos entender melhor essas criaturas — começou Branik, apoiando o escudo de carvalho no chão, as mãos calejadas ainda sujas de areia. — Estamos gastando energia à toa.
Inclinando a cabeça, Emília observou as chamas, pensativa, antes de dizer com simplicidade:
— Vocês atacaram as placas, não foi?
— Placas? — repetiu Klaus, franzindo a testa, confuso.
Com uma clareza quase desconcertante, ela explicou:
— As salamandras de fogo têm placas endurecidas, não escamas como dragões. São armaduras naturais, resistentes a golpes físicos e magias.
Fez uma pausa, os olhos castanhos brilhando com a luz do fogo.
— As juntas entre essas placas são os pontos fracos, especialmente nas laterais do pescoço e na base da cauda, onde a proteção é mínima.
O grupo absorvia cada palavra, o silêncio quebrado apenas pelo crepitar da fogueira.
Leonhard, ainda incrédulo, inclinou-se para frente.
— E como você matou duas sozinha? — perguntou, a voz carregada de curiosidade e um toque de inveja.
Com gestos precisos, Lisette — não Emília, como Leonhard presumira — retirou duas espadas curtas das bainhas escondidas nas costas, as lâminas refletindo o fogo.
— Encantei elas com magia de gelo — disse, a voz calma, quase indiferente. — Mirei as juntas, principalmente no pescoço e na cauda. A magia de gelo fragiliza as estruturas internas delas, já que o fogo é o elemento principal.
Girou uma espada na mão, o movimento tão fluido que parecia ensaiado, mesmo sentada.
Branik soltou um assobio baixo, impressionado. Klaus sentiu uma mistura de admiração e frustração. Eles haviam desferido dezenas de golpes sem estratégia, enquanto Lisette decifrara o padrão com precisão cirúrgica. Ela é realmente outro nível, pensou, o canto da boca se curvando num sorriso amargo.
Rompendo o silêncio, Lisette falou, os olhos fixos em Emília:
— Isso explica por que nossas magias não funcionaram direito. Atacamos as placas diretamente. E por baixo da cauda?
Sem hesitar, Emília respondeu, ajustando o Fragmento de Ancoragem no pescoço:
— É o ponto mais vulnerável. A pele ali é fina, quase desprotegida. Uma magia concentrada nesse ponto pode causar danos sérios.
Riscando o chão com um galho, Branik desenhou um esboço rudimentar da salamandra, marcando as áreas frágeis.
— Então, no próximo combate, focamos nas juntas e na base da cauda — disse, a voz firme. — E trabalhamos juntos.
— E magia de gelo, se der — acrescentou Leonhard, já mentalizando ajustes em seus feitiços, os dedos tamborilando no joelho.
A preocupação na voz de Klaus cortou a discussão:
— Isso é ótimo, mas nossa coordenação precisa melhorar. Se aquela salamandra tivesse focado em outro de nós, não sei se estaríamos todos aqui.
O peso de suas palavras pairou, e o grupo ficou sério, refletindo sobre a fragilidade de sua formação.
Por mais tempo, discutiram planos, desenhando rotas na areia, combinando sinais e táticas. A fogueira crepitava, aquecendo corpos e esperanças. O céu sem sol permanecia constante, sem noite para trazer descanso natural. Só avançariam quando estivessem prontos.
Por ora, o planejamento era tudo, e o "amanhã" — ou o que passasse por amanhã naquela masmorra — aguardava.