Capítulo 21 – Parte 3

O descanso havia revigorado o grupo, os músculos menos doloridos, a mente mais afiada. Decidiram retomar a jornada com um plano claro: caçar criaturas isoladas, derrotá-las e acumular recursos para enfrentar os desafios mais profundos da masmorra. A costa rochosa da ilha, com suas pedras escuras polidas pelo mar e vegetação rasteira, era o próximo trecho a explorar. O som das ondas quebrando ao longe misturava-se ao zumbido de insetos invisíveis, mantendo todos alerta. Klaus caminhava à frente, a marreta apoiada no ombro, o Fragmento de Ancoragem pulsando suavemente no pulso.

Uma pausa súbita interrompeu o avanço. Leonhard, com o cenho franzido e os olhos semicerrados, observava o terreno, murmurando para si mesmo:

— Se calcular a distância média entre os encontros com as salamandras e cruzar com a topografia...

Ele traçava linhas invisíveis no ar, os dedos movendo-se como se resolvessem um quebra-cabeça. Klaus e Branik trocaram olhares, intrigados.

— Você tá falando sozinho ou escrevendo poesia? — perguntou Branik, um sorriso torto no rosto.

Sem responder, Leonhard apontou para uma elevação rochosa à frente, coberta por pedras vulcânicas.

— Ali — disse, convicto. — Deve haver uma salamandra.

Sem plena certeza, mas confiando no instinto — ou na excentricidade — do companheiro, o grupo seguiu. Para espanto de todos, ao se aproximarem, um rosnado grave ecoou, e uma salamandra de fogo comum emergiu entre as rochas, as escamas rubras brilhando sob a luz estática do céu.

— Inacreditável — murmurou Klaus, balançando a cabeça.

— Sorte — disse Lisette, os braços cruzados, a expressão impassível.

— Matemática — corrigiu Leonhard, um brilho satisfeito nos olhos.

Nas horas seguintes, Leonhard continuou apontando direções, guiado por cálculos que envolviam vetores de deslocamento e densidade de mana ascendente. Klaus não entendia uma palavra, mas os resultados eram inegáveis: quase sempre, encontravam uma salamandra exatamente onde ele indicava. Era como se Leonhard decifrasse a lógica da masmorra, transformando o caos em padrões.

— O que importa é que tá funcionando — dizia Branik, batendo no escudo com orgulho após cada vitória.

As salamandras comuns, ágeis e agressivas, já não eram páreo para o grupo. Emília reforçava a equipe com magias de suporte, auras prateadas aumentando velocidade e resistência. Branik segurava a linha de frente, o escudo de carvalho absorvendo investidas com firmeza. Klaus e Lisette alternavam ataques, ele com golpes brutais da marreta, ela com cortes precisos de suas espadas curtas, mirando juntas e pontos fracos. A coordenação, ainda imperfeita, melhorava a cada combate.

O ritmo foi interrompido por um tremor no chão. De uma fenda rochosa, uma salamandra de fogo colossal emergiu, maior que as comuns, quase do tamanho de um cavalo pequeno, as placas endurecidas reluzindo como brasas. O grupo recuou, formando uma linha defensiva. Emília ergueu o bastão, mana brilhando, enquanto Branik posicionava o escudo. Klaus apertou a marreta, preparando-se para um combate árduo.

Mas Lisette agiu sozinha. Sem uma palavra, avançou, movendo-se com uma graça que desafiava o peso da marreta que pegara de Klaus. A arma, pesada em suas mãos, parecia leve como uma pluma. Deslizando pelo terreno, golpeou a junta entre as placas da salamandra com um estrondo seco. O segundo golpe atingiu a base da cauda, onde a pele era fina, arrancando um grunhido de dor da criatura. Girando sobre o calcanhar, desferiu um terceiro ataque, estilhaçando placas no peito. O quarto golpe, direto no crânio, foi fatal. A salamandra classe Elite desabou, o chão tremendo sob seu peso.

Um silêncio atônito envolveu a clareira. Klaus, Leonhard, Branik e Emília se entreolharam, boquiabertos.

— Isso foi... — começou Leonhard, a voz falhando.

— Injusto — completou Branik, rindo, meio resignado.

Lisette virou-se, ajeitando uma mecha de cabelo solta da trança.

— Vocês estavam demorando — disse, com naturalidade, como se tivesse apenas apagado uma vela.

Ninguém respondeu. Que palavras poderiam competir com tamanha demonstração de habilidade?

O grupo retomou a marcha em silêncio, carregando os couros das salamandras e uma admiração renovada por Lisette. Uma pontada de inveja, talvez, misturava-se ao respeito. Ela não era apenas uma companheira — era uma força da natureza. As batalhas continuaram, mas todos sabiam: com Lisette, a masmorra parecia um pouco menos impossível.