O que parecia um caminho viável — enfrentar salamandras no terreno rochoso — tornou-se, com o tempo, um exercício de resistência. O calor abafado da masmorra, o chão irregular e a vigilância constante contra emboscadas lentamente ia minando a capacidade do grupo o grupo. Cada combate, mesmo vencido, consumia energia e concentração.
Com o tempo, os seus cálculos Leonhard começaram a ter inconsistências. Ele ainda previa a maioria dos encontros, mas o problema eram as falhas. Salamandras surgiam fora dos padrões, saltando de fendas ou rastejando entre rochas, pegando-os desprevenidos. O cansaço se acumulava, visível nas pausas mais longas e nos olhares exaustos.
Até Lisette, sempre avessa a pausas, admitiu a necessidade de um acampamento.
— Precisamos de um ponto fixo — disse, a voz firme, mas com um toque de resignação.
A busca por um local seguro virou prioridade, mas nada parecia ideal. Alguns pontos tinham pedras demais, perfeitas para emboscadas. Outros ficavam perto de buracos traiçoeiros ou em desníveis perigosos. Paradas breves eram interrompidas por ataques inesperados, alguns escapando até das previsões de Leonhard. Nesse clima de tensão crescente, Klaus notou como o grupo estava afetado. Mesmo, Branik tinha perceptivelmente os seus ombros mais caídos e as pausas discretas de Emília, em intervalos maiores para lançar as suas magias de suporte, não escaparam de sua atenção.
Três dias se arrastaram assim, marcados por avanços cautelosos e combates incessantes. Os relógios mágicos, únicos indicadores de tempo naquele céu azul eterno, apontavam o sétimo dia desde a chegada à ilha.
Foi nessa situação que encontraram um lugar. Não era perfeito, mas era o melhor possível: uma elevação rochosa, ligeiramente mais alta que o entorno, com o chão surpreendentemente plano. Havia poucas fendas próximas, raras pedras grandes — dificultando emboscadas —, e o terreno era firme. O espaço era apertado, forçando tendas improvisadas a se amontoarem, mas a segurança compensava.
A decisão foi unânime. Montaram o acampamento, organizando vigias rotativas e dividindo tarefas. Pela primeira vez em dias, um alívio tímido suavizou os rostos cansados. O plano era descansar por uma ou duas noites, recuperar forças e explorar os arredores limpando a área antes de avançarem para a montanha.
Klaus, enquanto amarrava uma lona, sentia os músculos doloridos, mas uma faísca de otimismo. Ter um ponto de apoio trazia uma sensação de controle, mesmo que ilusória.
Na manhã seguinte, o grupo estava pronto. Rações secas foram consumidas, armas revisadas, mochilas ajustadas. Eles estavam prontos para iniciar mais um dia.
De repente, um grito cortou o ar. O som era de um humano em pleno desespero, o que rasgava a aparente calma daquela manhã na masmorra. O grupo congelou, mãos instintivamente nas armas. Dos arbustos ralos e rochas próximas, um vulto cambaleou em sua direção. Era um garoto, um aluno como eles, o uniforme rasgado, o corpo coberto de sangue. Seus olhos arregalados brilhavam com terror puro.
Ele tentou correr, abriu a boca para gritar novamente, mas as pernas cederam. A poucos metros do grupo, desabou, o rosto chocando-se contra a poeira cinzenta.
O silêncio que se seguiu era opressivo, quebrado apenas pela respiração pesada do grupo. Klaus foi o primeiro a reagir, correndo até o corpo, o coração disparado. Ajoelhou-se, buscando sinais de vida, mas a esperança morreu rápido. O garoto estava morto, o sangue ainda quente escorrendo pelo chão, formando uma poça escura. Seus olhos, mesmo sem vida, carregavam um horror profundo, como se tivessem visto algo além da compreensão. O Fragmento de Ancoragem em seu pescoço estava apagado, a mana esgotada.
O grupo se aproximou lentamente, as armas ainda em punho. Emília cobriu a boca, os olhos marejados. Branik apertou o escudo, a mandíbula travada.
Leonhard, pálido, murmurou:
— O que... o que fez isso?
Lisette, impassível, varria o horizonte com o olhar, as espadas prontas. Klaus ficou de pé, a marreta tremendo em suas mãos.
A masmorra, até então desafiadora, agora parecia esconder algo muito pior.