Na mansão dos Montebello, o silêncio do fim de tarde era quebrado apenas pelo som do relógio antigo na parede. Verónica Montenegro estava sentada no sofá de veludo vinho, com uma taça de vinho tinto na mão, os olhos fixos na janela, mas o pensamento muito além dali.
Ela já sabia. Soube no momento em que Leonardo saiu a cavalo pela manhã. Ela sempre soube quando ele mentia — era um dom. Um dom e uma maldição.
Verónica não era burra. Sabia que Florencia estava crescendo, que a beleza da menina agora era um risco. Uma ameaça. Uma tentação para qualquer homem com sangue quente e coração mole — e Leonardo, apesar de tudo, era um tolo em muitos sentidos.
— “A filha da costureira…”, murmurou, com um veneno suave na voz.
Verónica sempre soube quem era Florencia. Desde o primeiro dia. Desde aquele parto escondido. Desde aquela noite maldita, em que uma mulher morreu e um segredo nasceu.
Ela mesma ajudou a esconder o corpo.
Ela mesma fingiu não saber de nada.
E agora… a bastarda estava voltando como se fosse flor que brota entre espinhos.
—“Mas toda flor tem raiz. E eu sei exatamente onde cortar.”
Verónica se levantou com elegância. O vestido vermelho colava no corpo como sangue fresco. Ela foi até o espelho e olhou pra si mesma. A idade começava a aparecer nos olhos, mas o olhar continuava afiado. Perigoso.
— “Leonardo nunca vai se misturar com esse tipo de gente,” disse em voz baixa. — “Não enquanto eu estiver viva.”
Saiu do quarto e desceu as escadas com passos leves, quase silenciosos. Na cozinha, chamou Marta, a governanta.
— “Quero que me traga tudo o que souber sobre Florencia. Quem criou, onde mora, com quem fala. Até o cheiro que ela usa, se puder.”
Marta hesitou.
— “Verónica, a moça é trabalhadeira. Dizem que é direita...”
— “Eu não perguntei o que dizem. Perguntei o que você vai fazer.”
A mulher baixou a cabeça. Sabia que não se contraria Verónica Montenegro sem pagar o preço.
— “Sim, senhora.”
Verónica virou-se para a janela da frente e ficou ali, parada. O céu começava a escurecer. O mundo lá fora era pobre, sujo, cheio de gente simples. Gente que ela preferia ver longe.
E agora, uma dessas pessoas queria subir. Queria o filho dela. Queria a herança. Queria o nome Montebello.
Mas Verónica já tinha destruído uma mulher antes.
E destruir outra... não seria difícil.
— “Você vai se arrepender de ter nascido, bastarda.”
Do lado de fora, uma rosa vermelha murchava no jardim.
E o veneno começava a escorrer, invisível, mas fatal.