Florencia nunca foi de desconfiar fácil. Cresceu acreditando nas pessoas, mesmo quando a vida mostrava o contrário. Mas depois do segundo bilhete, algo dentro dela mudou. Um tipo de desconfiança amarga começou a tomar espaço no peito.
Naquela manhã, ela voltou à vila mais cedo. Precisava pensar. Pensar e juntar peças.
Foi aí que viu Marta, a governanta da mansão, saindo da vendinha com uma sacola pequena nas mãos. Era um perfume. Flor reconheceu pela embalagem: "Jardins de Espanha", importado, cheiro forte, doce… o mesmo que sentiu no primeiro bilhete.
Esperou Marta ir embora. Depois entrou e perguntou ao velho vendedor:
— “Dona Marta compra sempre esse perfume?”
O homem deu de ombros, limpando o balcão com um pano já sujo.
— “Não é pra ela. Ela diz que é pra patroa dela. A tal da madame Montenegro.”
Flor congelou.
Agora fazia sentido.
O papel caro. O cheiro. A ameaça velada.
Verónica.
Mais tarde, no galpão onde ajudava a organizar os legumes, Flor não conseguia mais esconder a raiva. Cada vez que lembrava do jeito suave com que a mulher a cumprimentava em público, a falsidade embrulhava seu estômago.
Decidiu ir até a mansão.
Sem avisar.
Chegou no final da tarde, ainda com a roupa simples de trabalho. O sol estava se pondo, tingindo o céu de laranja e sangue. Foi recebida por uma criada, que tentou barrá-la.
— “A senhora Verónica não recebe sem hora marcada...”
— “Pois diga que quem veio foi a flor do lixo. Aquela que não devia ter nascido.”
A criada empalideceu, mas foi. Minutos depois, Verónica apareceu no topo da escada, impecável como sempre, com um robe de seda vinho e um sorriso que não chegava aos olhos.
— “Florencia... que surpresa desagradável.”
— “Não mais do que seus bilhetes.”
O rosto de Verónica não se moveu. Mas os olhos… os olhos brilharam com um fogo gélido.
— “Não sei do que está falando.”
— “Sabe sim. O perfume te entregou. E a sua governanta também.”
Verónica desceu os degraus devagar, como uma atriz num palco. Parou a poucos passos de Flor.
— “E o que você vai fazer com essa informação, menina pobre? Me denunciar? A quem? Ao seu Deus? Ao meu marido?”
Flor olhou firme.
— “Não preciso de ninguém. Só queria que soubesse que não tenho medo.”
— “Mas devia.”
Verónica se aproximou, baixou o tom da voz, como quem conta um segredo sujo.
— “Eu já destruí a mãe que te pariu. Não vou pensar duas vezes antes de acabar com você também.”
Flor sentiu um frio na espinha. Mas não se afastou.
— “A senhora pode ter matado minha mãe. Mas eu sou feita de espinho. Vai se cortar toda antes de conseguir me arrancar.”
Verónica sorriu, um sorriso de cobra.
— “Veremos, bastarda.”
Naquela noite, Flor não dormiu. O passado voltava como faca. A certeza de que sua mãe fora assassinada por Verónica a corroía.
Mas agora ela tinha algo novo.
Motivo. Coragem. E sede de justiça.
E uma promessa silenciosa nasceu em sua boca:
— “A senhora vai pagar.”