Capítulo 9 – Vozes que Ninguém Cala

Florencia desceu a colina com os dedos apertando o lenço azul e o anel de prata.Era como carregar os ossos do passado.

O nome da mãe sussurrava no vento: Mariana.Não Aurora. Não uma qualquer. Mariana.A mulher que foi calada, apagada, enterrada como se nunca tivesse existido.

Mas Flor estava disposta a gritar por ela.

De volta a San Tiago, Florencia foi direto à casa de Dona Rosa, a antiga parteira cega que a criou. A senhora, mesmo com a visão falha, reconheceu o lenço com os dedos trêmulos.

— “Esse era dela… Mariana. Eu disse pra ela não ir naquela noite. Mas ela era teimosa... Queria que o pai da criança assumisse.”

— “E quem era ele?”, Flor perguntou.

A velha hesitou. Depois sussurrou:

— “Leonardo Montenegro.

Flor arregalou os olhos. O próprio pai da Flor?O irmão de Verónica?

Tudo fazia sentido agora. A família queria esconder a vergonha. Um filho ilegítimo. Uma mãe pobre.

— “E ele... ele sabia que minha mãe morreu ali?”

Dona Rosa balançou a cabeça.

— “Acho que sim. Mas nunca falou nada. Depois do enterro, ele viajou, sumiu por um tempo. Voltou diferente. Silencioso. Mas covarde, como todos eles.”

Flor saiu dali com o sangue fervendo.O anel, o lenço, o testemunho de Bastião, a memória de Rosa... tudo apontava pra uma verdade que a cidade precisava conhecer.

Ela foi até a rádio comunitária, um lugar pequeno, onde um locutor chamado Jorginho apresentava um programa popular à tarde.

— “Quero contar uma história”, disse Flor, firme.

— “História ou denúncia?”

— “As duas coisas.”

Ela sentou na frente do microfone, a voz trêmula no começo, mas depois firme como a rocha.

— “Meu nome é Florencia. Há vinte anos, minha mãe, Mariana, morreu diante da fazenda Montenegro. Grávida. Sozinha. Ignorada. Hoje tenho provas. E quero justiça.”

O telefone da rádio começou a tocar antes mesmo da fala terminar.

O povo lembrava. O povo comentava. O povo sempre soube — mas nunca teve coragem.

Agora tinham.

Na mansão Montenegro, Verónica ouviu a transmissão ao lado de Leonardo, pálido como cera.

— “Você disse que essa bastarda tinha sumido!”, gritou ela, atirando o copo na parede.

Leonardo ficou em silêncio. As mãos tremiam.

— “Ela tem o lenço da Mariana. E o anel também.”

Verónica o encarou como uma cobra pronta pra dar o bote.

— “Então vai ter que sumir com ela também. Antes que nos destrua.”

Leonardo fechou os olhos.Mas já era tarde demais. A cidade começava a olhar pros Montenegro com outros olhos. E Flor estava mais forte a cada passo.

No fim do dia, Florencia recebeu dezenas de cartas, bilhetes, mensagens.Alguns diziam "estamos com você". Outros contavam mais verdades escondidas.

E no meio de um dos envelopes, um bilhete anônimo:

“Verónica foi quem mandou os bilhetes ofensivos. Ela sempre te odiou. Cuidado com ela.”

Flor arregalou os olhos. O veneno vinha de dentro.

Agora era guerra.

E ela já não tinha mais medo de perder — porque já tinha perdido tudo.

Agora, só restava ganhar.