Florencia desceu a colina com os dedos apertando o lenço azul e o anel de prata.Era como carregar os ossos do passado.
O nome da mãe sussurrava no vento: Mariana.Não Aurora. Não uma qualquer. Mariana.A mulher que foi calada, apagada, enterrada como se nunca tivesse existido.
Mas Flor estava disposta a gritar por ela.
De volta a San Tiago, Florencia foi direto à casa de Dona Rosa, a antiga parteira cega que a criou. A senhora, mesmo com a visão falha, reconheceu o lenço com os dedos trêmulos.
— “Esse era dela… Mariana. Eu disse pra ela não ir naquela noite. Mas ela era teimosa... Queria que o pai da criança assumisse.”
— “E quem era ele?”, Flor perguntou.
A velha hesitou. Depois sussurrou:
— “Leonardo Montenegro.”
Flor arregalou os olhos. O próprio pai da Flor?O irmão de Verónica?
Tudo fazia sentido agora. A família queria esconder a vergonha. Um filho ilegítimo. Uma mãe pobre.
— “E ele... ele sabia que minha mãe morreu ali?”
Dona Rosa balançou a cabeça.
— “Acho que sim. Mas nunca falou nada. Depois do enterro, ele viajou, sumiu por um tempo. Voltou diferente. Silencioso. Mas covarde, como todos eles.”
Flor saiu dali com o sangue fervendo.O anel, o lenço, o testemunho de Bastião, a memória de Rosa... tudo apontava pra uma verdade que a cidade precisava conhecer.
Ela foi até a rádio comunitária, um lugar pequeno, onde um locutor chamado Jorginho apresentava um programa popular à tarde.
— “Quero contar uma história”, disse Flor, firme.
— “História ou denúncia?”
— “As duas coisas.”
Ela sentou na frente do microfone, a voz trêmula no começo, mas depois firme como a rocha.
— “Meu nome é Florencia. Há vinte anos, minha mãe, Mariana, morreu diante da fazenda Montenegro. Grávida. Sozinha. Ignorada. Hoje tenho provas. E quero justiça.”
O telefone da rádio começou a tocar antes mesmo da fala terminar.
O povo lembrava. O povo comentava. O povo sempre soube — mas nunca teve coragem.
Agora tinham.
Na mansão Montenegro, Verónica ouviu a transmissão ao lado de Leonardo, pálido como cera.
— “Você disse que essa bastarda tinha sumido!”, gritou ela, atirando o copo na parede.
Leonardo ficou em silêncio. As mãos tremiam.
— “Ela tem o lenço da Mariana. E o anel também.”
Verónica o encarou como uma cobra pronta pra dar o bote.
— “Então vai ter que sumir com ela também. Antes que nos destrua.”
Leonardo fechou os olhos.Mas já era tarde demais. A cidade começava a olhar pros Montenegro com outros olhos. E Flor estava mais forte a cada passo.
No fim do dia, Florencia recebeu dezenas de cartas, bilhetes, mensagens.Alguns diziam "estamos com você". Outros contavam mais verdades escondidas.
E no meio de um dos envelopes, um bilhete anônimo:
“Verónica foi quem mandou os bilhetes ofensivos. Ela sempre te odiou. Cuidado com ela.”
Flor arregalou os olhos. O veneno vinha de dentro.
Agora era guerra.
E ela já não tinha mais medo de perder — porque já tinha perdido tudo.
Agora, só restava ganhar.