O sol nasceu lento naquela manhã, como se até o céu temesse o que estava por vir.
Florencia acordou com uma sensação estranha no peito.
Era medo — mas também força.
Ela sabia que Verónica não ficaria quieta. Quando uma víbora é encurralada, ela morde.
No centro de San Tiago, os boatos já corriam como fogo seco em campo de palha.
— "Você ouviu o que a menina disse na rádio?"
— "Dizem que ela é mesmo filha do Leonardo..."
— "A Mariana? Aquela que morreu grávida? Meu Deus, então era verdade!"
A cidade que antes cuspia no chão quando via Flor agora se curvava diante dela.
Mas ela não queria piedade.
Queria justiça.
Na mansão, Verónica esmurrava a parede do quarto, enquanto Leonardo afundava em um copo de uísque.
— “Ela vai destruir a gente!”, gritou Verónica. “Com esse povo, basta uma lágrima pra eles se revoltarem!”
Leonardo não respondeu. Olhava o vazio como quem vê os próprios erros marchando pela sala.
Verónica então chamou Antônio, o capataz da fazenda. Um homem bruto, de fala seca e olhar opaco.
— “Quero que dê um susto na garota”, disse ela. “Nada demais... só o suficiente pra ela entender que deve calar a boca.”
— “Tem certeza?”, ele perguntou.
— “Tem coisa demais em jogo. Essa menina precisa aprender qual é o lugar dela.”
Naquela noite, Flor saiu para encontrar Bastião, o antigo caseiro que agora vivia nos arredores. Ele prometera mais detalhes sobre a noite em que Mariana morreu.
— “Eu vi o carro. Era o da Verónica. Eu lembro. Ela saiu correndo, suja de sangue. E tinha alguém no banco de trás. Um homem, acho que era...”
Bastião não terminou.
Um som cortou o escuro.
Dois homens mascarados surgiram do nada.
Um agarrou Florencia pelo braço. O outro empurrou Bastião no chão.
— “É pra aprender a calar a boca, vadia!”, gritou um deles.
Mas Flor lutou.
Gritou, mordeu, chutou.
Foi quando uma moto surgiu no breu da estrada. O farol iluminou os agressores, que fugiram correndo entre os matos.
O piloto tirou o capacete.
Era Mateo, o mecânico da cidade. O mesmo que, anos atrás, ajudava Flor a consertar a bicicleta.
— “Você tá bem?”, ele perguntou, arfando.
— “Agora tô.”
Flor olhou pro chão, onde Bastião ainda se recuperava.
Ela sabia.
Isso não era um simples susto.
Verónica queria silenciá-la. Talvez até matá-la.
Mas agora Flor tinha aliados. E não estava mais disposta a fugir.
— “A partir de amanhã, eu não luto mais sozinha”, disse ela.
Mateo assentiu, apertando sua mão.
No dia seguinte, Florencia apareceu de novo na rádio.
Mas dessa vez, não foi só pra falar.
Ela levou nomes. Datas. Testemunhos. Fotos.
E declarou, diante de todos:
— “Se algo acontecer comigo ou com alguém que amo, já sabem quem procurar.”
A cidade, antes covarde, agora estava de olhos bem abertos.
E Verónica... começava a sentir o gosto do medo.