A pequena loja estava localizada no final da rua, ela possuía antiguidades e amuletos pendurados em sua vitrine.
Cass sentia algo estranho vindo da loja, uma sensação de desconforto e ao mesmo tempo de curiosidade, era como se houvesse algo dentro dela que estivesse à chamando.
Após pensar muito, ela decidiu entrar sozinha na loja.
Deixando seu guarda e sua empregada do lado de fora, Cass atravessou a porta de carvalho da loja.
Do lado de dentro, a loja possuía diversas especiarias e antiguidades como relógios e talheres de prata, atrás do balcão possuíam ervas e partes de animais como pés de coelho e flores noturnas.
A loja possuía um ar mais quente que o lado de fora, a mudança repentina de temperatura fez Cass sentir seu pulmão sendo estilhaçado a cada respiração.
— Olá? Tem alguém aqui?
Logo após isso, um homem vestindo um colete e utilizando um monóculo saiu de trás das cortinas com um frasco estranho em mãos.
— Bom dia jovem senhorita, com o que posso ajudar? — O homem falou enquanto guardava o frasco junto a outros na prateleira.
Por mais bem vestido que estivesse, o que mais se destacava eram suas tatuagens e piercings, seu longo cabelo azul penteado para trás e seus olhos púrpura.
— Com o que exatamente vocês trabalham aqui? Vocês possuem certas coisas bem macabras e assustadoras.
O homem riu enquanto dizia — É verdade, para pessoas normais são coisas bem macabras. Mas não acho que sejam tão estranhas para pessoas da nobreza como vocês.
"Ele sabe que eu sou da nobreza? Quer dizer, é claro, eu sou filha do barão da região, faz sentido me reconhecerem. Mas porque essa situação me parece ser tão estranha?"
— Como você sabe que eu sou da nobreza? Não venha me dizer que são minhas roupas ou que conhece meu pai. — Ela o questionou cruzando os braços e arqueando as sobrancelhas.
O homem pareceu surpreso por um momento, mas então assentiu e explicou.
— A senhorita aparenta ter uma grande percepção mágica, isso não é pra todos realmente.
— Acontece que você era a única cliente marcada para mos visitar hoje, Srta. Cassandra Engel. — O homem pegou se sentou de frente à Cassandra e recostou o punho sobre o queixo.
— Como eu estava marcada se decidi entrar somente agora? — Cass empurrou uma mecha de cabelo para trás da orelha e se inclinou para frente olhando para o homem.
— Algumas coisas já estão destinadas a acontecer mesmo antes de sabermos sobre elas — Ele disse com os olhos brilhando.
Ele olhou para o rosto da garota por um momento, dando um suspiro e pegando um grande caderno azul debaixo da bancada.
Procurando pelas folhas por um momento, ele vira o caderno e aponta para o nome de Cass escrito sobre o dia de hoje. O livro também possui nomes para dias futuros e até seus horários.
— O que significa isso? — Perguntou Cass tanto curiosa quanto estranhamente animada.
Era um sentimento inexplicável, ela já havia sentido algo parecido com o livro de Abby, mas essa era uma prova que havia algo de especial nessa loja.
— Muito bem, por mais que ele mostre quem virá, ele não mostra o motivo, então, o que lhe trás aqui jovem senhorita?
— Foi amaldiçoada ou algum parente então doente? Precisa de proteção ou boa sorte? Ou deseja apenas comprar um novo espelho? — O homem diz brincando.
— Aliás, eu me chamo Nicodemos.
Cass observa a loja por um tempo, averiguando seus itens estranhos.
— O que mais vocês fazem aqui? Ou só vendem essas... coisas?
— Na verdade nós também fazemos alguns rituais simples, todos por apenas 15 cobres.
Cass também tinha conhecimento de alguns rituais simples, como alguns de boa sorte ou que prevêem o futuro como tarô, então ela não estava tão interessada em rituais no momento.
Um sino tocou pela loja quando a porta se abriu, uma garota com longos cabelos pretos e olhos esverdeados entrou na loja, ela vestia um longo vestido preto com seus ombros à mostra.
Ela estava com uma sacola em mão e entrou para dentro da loja, ela não era muito mais velha que Cassandra e possuía tatuagens assim como o homem.
Ao ver a garota, Cass sentiu um estranho sentimento parecido com o que sentia com a loja, um sentimento que fazia sua espinha formigar.
Seus olhos se cruzaram por um momento, e Cassandra poderia jurar ter visto um brilho avermelhado sobre todo aquele verde esmeralda de seus olhos.
— Senhor, quem é essa garota? — Perguntou Cass curiosa.
— Essa é minha sobrinha, Selena. Ela é quem normalmente faz os rituais, eu até sei um pouco, mas sabe, deixa a magia pra quem sabe mexer com magia.
— Sei...
Cass decidiu comprar um amuleto de proteção e um relógio de bolso com entalhes de uma constelação, juntos custando apenas 40 cobres.
O relógio estava velho mas ainda funcionava, senhor Nicodemos foi gentil e ajustou o horário para Cass. Olhando o horário em seu novo relógio, Cass viu que já estava quase na hora do teatro abrir.
— Bem, muito obrigada senhor Nicodemos. Nós vemos por aí e tenha uma ótima noite - Cass fez uma última reverência ao homem antes de se retirar.
— Eu agradeço a sua presença jovem senhorita. Quando o relógio quebrar venha até aqui novamente. Algumas coisas, o tempo só nos revela quando pensamos que tudo já está perdido.
Cassandra saiu da loja misteriosa, seu guarda e Anny estavam ao lado da porta esperando.
— Anny, Vamos para a carroça, já está na hora de irmos — Cass andou reto indo até a carroça a algumas quadras.
Eles embarcaram novamente na carroça e partiram para o teatro.
Enquanto estavam na estrada, Alice olhava para fora pensando na estranha loja e na garota que acabará de ver, o homem chamado Nicodemos, e em seu caderno misterioso que possuía parte de seu destino.
Aquilo tudo era difícil demais de se conceber, não por serem essas coisas, mas pelo sentimento que passam a Cass.
Não era um sentimento de perigo, mas também não era de conforto, era algo gélido como metal, algo duro e assustador, mas não perigoso.
Esse sentimento ainda estava em sua mente vividamente, como se ainda pudesse senti-lo. Esse sentimento estranho quase fez Cass se esquecer do sentimento de traição que sentia por sua família.
Em dez dias, logo após o seu debut, Cass seria levada para a casa de um arquiduque que ela desconhece, para fazer sabe se lá o que, talvez ele tente se casar com ela ou algo muito pior.
Muito pior que a sensação de traição, era o medo de não saber seu próprio destino.
[...]
O teatro ficava situado no centro da cidade, era uma grande estrutura antiga, com mais de cem anos, porém muito bem preservada.
Tinha uma grande fila de pessoas na porta esperando serem atendidas, porém Cass era a filha de um barão, e eles já haviam recebido os ingressos antecipadamente.
Entrando pela porta da frente, um homem de meia idade apareceu, ele era o Sr. Mikael, dono do teatro.
— Senhorita Cassandra, Estou lisonjeado com vossa presença em nossa estréia, espero que seja de seu agrado nosso espetáculo — O homem parecia um pouco nervoso, Cass não podia o julgar, ela havia o avisado sua ida de última hora, ele certamente não esperava a filha do barão hoje.
"Se ele já está nervoso, imagina os atores"
— Será um prazer assistir essa peça, com o quão bem divulgada, acredito que será uma atração e tanto — Cass disse escondendo a risada com a mão.
— Se... Será sim senhorita, não deixarei que nada atrapalhe sua experiência. Por favor — O homem apontou para as escadas.
Cass subiu as escadas do teatro até o segundo andar, ela atravessou uma multidão de nobres que lançavam olhares para a filha do barão.
Ela logo encontrou seu assento atrás de uma cortina vermelha, era um assento apropriado para a alta aristocracia, prezando por sua segurança e privacidade. Sua empregada e guarda também entraram, ficando de perto da cortina.
Ao seu lado também possuía outros assentos, quase todos vazios. Aristocráticos da alta sociedade eram ocupados demais para perderem tempo com uma peça que pode muito bem ser um fracasso, então eles geralmente escolhiam vir no segundo dia de apresentação.
Apenas alguns membros da burguesia apareciam, mas também algumas pessoas como Cass, que estavam interessados na história ou poderiam não ter tempo para assistir outro dia.
Anny havia saído para buscar uma bebida e lanches para Cass, quando uma silhueta apareceu atrás da cortina.
— Com licença, senhorita Cassandra? — Era a voz de uma mulher, um pouco rouca, porém parecia ser jovem.
Cassandra logo reconheceu a voz, era a senhora Hera.
— Senhora Hera? Entre! — Cass fez um sinal para seu guarda abrir a cortina e permitir a passagem da senhora.
— Com toda licença, não sabia que a Senhorita estaria aqui hoje — Hera disse entrando na cabine.
Hera estava usando um vestido azul escuro e com seu cabelo preso por uma tiara.
— Soube que você estava aqui quando vi Anny pegando indo pegar uma bebida. Onde está a senhora e o senhor Engel?
— Eu vim sozinha hoje, mãe e pai estavam muito ocupados para virem hoje. — Respondeu Cass com um sorriso forçado.
— Entendo, Abigail e eu estaremos assistindo a apresentação do salão, se precisar de algo não hesite em mandar Anny me chamar.
"Hera parece um pouco preocupada por eu estar aqui. Por ser tão próxima da família, ela é como uma tia para eu e meus irmãos.
Ela é amiga da família desde antes de eu nascer, ela deve ter o mesmo sentimento sobre nós."
Enquanto pensava sobre isso, outra dúvida infiltrou os pensamentos de Cass.
"Será que a Sra. Hera sabe o que acontecerá comigo? Ela é muito próxima de minha família, nos conhecemos há anos, talvez ela saiba de algo também".
O sentimento de traição se infiltrou no coração de Cass, se seus pais, e possivelmente a pessoa que ela considerava parte da família sabe sobre isso, quem mais sabe? Eles não vão fazer nada a respeito? Quantas pessoas sofrerão o mesmo que eu?
— Tudo bem senhora - Cass assentiu.
Por mais que desejasse surtar, bater nas pessoas, gritar com elas, Cass aprendeu muito bem a se controlar nessas situações, e tudo que poderia fazer por agora é se conformar, pelo menos até pensar em algo no que fazer.
Após Hera sair, Ammy voltou com os lanches, e depois de mais alguns momentos, a peça começou.