Sr. Engel explicou a Cass como funcionaria sua saída, pelo menos até onde ele entendia.
Cass seria levada para a casa do arquiduque, onde receberia um treinamento para não correr o risco de perder o controle, e a princípio ela não seria levada a fazenda e nem para algum lugar parecido.
Ela foi criada em um local diferente da fazenda, por isso não recebeu o treinamento adequado para se tornar um “Santo”, que são as pessoas educadas na fazenda para poderem lidar com as coisas que pessoas normais não podem lidar, como a invasão de criaturas mágicas ou ataque de outros Anômalos.
Com isso, seu papel será como o de uma pessoa que descobriu sua condição mais tarde da vida e será recrutada como uma membro da guarda do arquiduque.
Porém isso é tudo que Engel sabe, ele não sabe nada sobre o lugar onde será levada após o treinamento, o que ela irá fazer ou quanto tempo ficará fora.
Cass voltou para seu quarto e se deitou em sua cama, o frio penetrava o lugar como sempre, uma luz fraca e etérea passava por sua janela iluminando o quarto.
Cass se perdia em seus pensamentos enquanto as horas passavam, ainda cogitando a fuga vez ou outra.
O fato da existência de pessoas com poderes não era algo inesperado, já que haviam tantas criaturas mágicas e artefatos poderosos, o Cajado de Aurora – um artefato usado pelo imperador que se dizia capaz de feitos incríveis, era o exemplo mais famoso.
Porém, saber da existência e ser um dos exemplares eram coisas totalmente diferentes.
“Infelizmente, tudo que o pai sabe são coisas que ele aprendeu com o passar dos anos e que sempre tentou manter uma certa distância, é claro, ele não poderia ficar sem nenhum envolvimento, ter pelo menos uma ligação com alguém que esteja envolvido com os Sangues Anômalos era essencial – é aí que a família de Abigail entrava”.
A família Héracles, família de Abigail, era uma das famílias mais influentes do reino, estando situadas em diversas regiões e feudos pelo reino.
O senhor Mont, pai de Abigail, era um sangue anômalo do mesmo tipo que Cass, um Adepto do Éter. Por ser de uma família de grande influência e baixo nível de Éter em seu corpo, ele também foi poupado da fazenda, porém trabalhava e era ligado a outras organizações de Anômalos.
Essa história fez Cass perceber que sua suposição possivelmente estava certa, e Hera também sabia do destino de Cass, mas ela duvidava que Abby sabia de algo. Seus pais sempre tentaram a manter longe de coisas paranormais. Pegando serem superstições e golpes de marketing.
Cass se levantou da cama, seu corpo parecia ainda mais fraco que antes, ela estava cansada, mas era seu aniversário, ela precisava se aprontar para a chegada de convidados que virão para o café.
Após a frustração de ontem ao tentar se trocar sozinho, Cass pediu a Ammy que a ensinasse a se trocar, a empregada ficou relutante a princípio, sem entender o porquê daquela atitude, mas aceitou de qualquer modo.
Cass ficou relutante em vestir o vestido que havia comprado por conta do pesadelo que teve, então ela usou um vestido que havia comprado há algum tempo, mas nunca teve a chance de usar.
Também era um vestido preto, porém seu material era mais leve – o que não era muito bom, já que não aquecia tanto. Ele possuía entalhes de flores em sua saia e uma capa com um gorro peludo.
Apesar de não ser muito quente, o vestido ainda era lindo, Cass até pensou em usá-lo em seu debut, mas agora ela não tinha certeza de seu futuro.
O tão esperado debut, aconteceria em dez dias, mas ela teria sorte se ainda estivesse em kaltehaut.
Cass saiu de seu quarto indo para a sala, enquanto andava, os corredores pareciam se alongar, como se cada passo demorasse uma década.
O frio melancólico do lugar se impregnava em sua pele deixando-a vermelha no nariz, e bochechas.
Todo dia ela andava pelos mesmos corredores, dava os mesmos passos, via os mesmos lugares, mas agora pareciam algo único, os padrões nas paredes se uniam como se a casa fosse uma grande peça de arte.
Era como se o fato de não saber seu destino deixasse essa caminhada habitual desoladora e solitária – um sentimento estranho rasgava seu coração, fazendo-a sentir seu peito arder.
Ammy pediu para Cass ajudar ela a trazer algumas coisas para o espaço onde ocorreria o café, após respirar um pouco, Cass já não estava tão irritada, apenas melancólica, então ela assentiu e ajudou as empregadas.
Após aprontar as coisas, os convidados começaram a chegar, amigos de Cass e de sua família, parentes, e até os filhos de algumas famílias que foram convidados.
O café seria algo mais amigável e descontraído para comemorar seu aniversário, então, a chegada dos convidados afastou toda a melancolia e tensão do local, deixando o local mais quente e animado.
— Senhorita Cassandra. É bom nos vermos novamente. — Um homem com barba rasa e cabelos grisalhos se aproximou de Cass com um sorriso gentil.
Senhor Gustav era primo da mãe de Cass, ele possuía uma estatura baixa e era um pouco acima do peso, porém era alguém muito influente entre os comerciantes, sendo responsável por parte da frota comercial da companhia Alxord – uma das maiores empresas marítimas do reino. São comandadas pela família Alxord, a família de Fleur, seu líder atual é Feuer Alxord, tio de Cass.
— Primo Gustavo – Cass levanta a ponta de seu vestido e faz uma reverência, retribuída por Gustav.
— Olhe para você, já está completando seus dezesseis anos! Quando te vi pela última vez você não chegava nem no meu ombro, e olhe agora o quanto você cresceu! Aqui, eu lhe trouxe um presente.
— Um presente? Normalmente se dá presentes no debut, por que está me dando um agora? – perguntou Cass escondendo sua ansiedade pelo presente.
“Cordialidade primeiro…” — Cass comentou em seus pensamentos.
— Estarei indo para o norte amanhã, então não poderei comparecer ao seu debut. Sinto muito! — o homem baixinho estava apreensivo sobre o assunto, mas ainda era sua obrigação então não tinha o que fazer.
— Tudo bem, espero que tenha uma ótima viagem!
— Sim, e eu que tenha uma ótima festa, será seu dia especial! — enquanto conversavam, Frederick veio com alguns panos coloridos dobrados.
Os panos tinham padrões estranhos, tecidos com fios de diferentes cores. Pareciam ser de alta qualidade, porém não pareciam ser do sul. Acima deles havia uma caixa feita de madeira escura, entalhada com lindos padrões.
— Estes são alguns tecidos do Continente Norte, eles não são tão bons para fazer roupas, mas podem ser bons para decorações, é claro, são extremamente bonitos, não acha? — Gustav mostra cada um dos recursos que trouxe para Cass, até chegar na caixa.
— E por último, acredito que este será um pouco mais útil para você, além de ser o mais caro e bonito dos itens. — ele pega a caixa de madeira e o coloca em frente à Cass.
— O que… O que é isso? — Cass estava maravilhada com o que via – dois acessórios parecidos com palitos feitos de uma jóia que alternava entre preto e vermelho quase escarlate.
— Haha, sabia que gostaria. Isso é um prendedor de cabelo do norte, as mulheres, normalmente as mais ricas, prendem seus cabelos com isso enrolando-os. — ele faz um sinal ilustrativo com as mãos tentando fazer o movimento. — Esse em específico é feito de uma pedra encontrada apenas por lá, ela retém bastante sua temperatura, então ela nem esfria e nem esquenta tanto, o que é ótimo aqui.
Gustav fecha a caixa e a devolve para Frederick que sai junto dos tecidos, ele parecia um pouco cansado de segurar tantas coisas, talvez a idade já estivesse começando a chegar mesmo.
— Ma- Mas isso tudo, É COISA DEMAIS! Você não precisava trazer tantas coisas! — Cass nunca havia recebido coisas tão caras antes, então ela logicamente se assustou com os presentes.
— Bem, não se preocupe quanto a isso, esses presentes são de toda a família. Eu apenas escolhi os tecidos e inteirei um pouco com o dinheiro, na verdade, apenas seu prendedor foi comprado separadamente, seu tio escolheu ele pessoalmente e o comprou.
— O tio?... Tudo bem… Se você o ver antes de mim, diga a ele que eu agradeço pelo presente, e que gostei muito. — Cass assentiu enquanto pensava em quão carinhoso era seu tio com ela e seus irmãos, mesmo sem se verem com tanta frequência, ele sempre que possível mandava algo para lhes agradar.
Após conversar com mais algumas pessoas, Hera e Abigail finalmente chegaram.
Cass pensou em pular alegremente na garota como de costume assim que a visse, porém, quando a viu, Cass se lembrou do pesadelo que teve, da garota sem seus olhos, e da sensação das criaturas rastejando por todo seu corpo, fazendo Cass travar por um momento.