A queda

O salão parecia ter encolhido.

As risadas, os cumprimentos, a música ambiente — tudo virou ruído de fundo.

Soyeon não conseguiu tirar os olhos dele. Junho. Dois anos se passaram e, ainda assim, foi como se o tempo tivesse se dobrado, trazendo-os de volta exatamente ao ponto onde tudo havia parado.

Ele não viu imediatamente. Conversava com os pais, educado, discreto como sempre. Mas havia algo diferente. Estava mais alto? Mais sério? Os olhos olhando mais escuros — ou seria apenas o reflexo de um amor que ainda existia que ela preferia não admitir?

Por um instante, parecia ninguém mais existir ali. A música soava abafada, como se ambos estivessem dentro de uma bolha suspensa no tempo.

Junho desviou o olhar rapidamente, cumprimentando os presentes enquanto acompanhava os pais até uma mesa reservada. Mas sua expressão havia mudado. Havia algo contido naquele breve contato visual — algo não resolvido.

Soyeon respirou fundo, tentando controlar o coração acelerado. Jiwon ainda estava ao lado, preocupado, mas respeitando o silêncio da amiga.

— Vai me dizer que isso não te abalou? — disse em voz baixa, quando ficaram em privacidade novamente.

— Eu... não esperava por isso. — Soyeon passou a mão no cabelo, tentando se recompor.

— Talvez ele esteja aqui por você.

Soyeon virou o rosto para encarar uma amiga, mas a resposta morreu antes de sair. Sabia que Jiwon só queria ajudar, mas aquela ideia era perigosa demais. Iludia. Tocava em feridas que ela passou dois anos tentando esconder.

Enquanto isso, Junho sentou-se à mesa com os pais. De onde estava, ele a via. Não olhava diretamente, mas seus olhos a buscavam nos reflexos dos copos, no espelho do bar ao fundo, nas pausas entre um sorriso e outro.

E então, por fim, seus olhos voltaram para ela.

Dessa vez, ele não desviou. Junho não conseguiu resistir por muito tempo.

Levante-se com calma, como quem vai apenas esticar as pernas. Seus pais continuam conversando, sem perceber. Ele atravessou o salão lentamente, com os olhos fixos em um único ponto: Soyeon.

Ela o viu se aproximando. Cada passo dele parecia ecoar dentro do peito dela. Uma falha na respiração.

Jiwon olhou de relance, entendeu tudo e se afastou discretamente, deixando os dois a sós.

— Junho... — disse ela, num tom baixo e educado, sem saber ao certo onde colocar as mãos. — Você veio.

— Eu não perderia sua formatura — respondeu ele.

Havia algo na voz dele... uma calma forçada demais, como quem ensaiou esse reencontro por tempo demais.

Ficaram alguns segundos em silêncio. O olhar dele vasculhava o rosto dela, como se procurasse marcas do tempo perdido, enquanto o dela desviava, inquieto.

— Você está linda — ele disse, por fim.

Soyeon agradeceu com um aceno breve. O sorriso morreu antes de se formar por completo. Ia dizer algo, talvez perguntando como estava a vida dele... mas foi interrompida.

— Filha, está quase na hora das apresentações! — chamou a mãe de Soyeon, animada, com os olhos brilhando de orgulho.

Ela concordou e voltou-se para Junho por mais um instante.

— Depois a gente conversa — murmurou.

Junho apenas assentiu de leve, mas seus olhos diziam outra coisa: ele não estava ali por acaso.

Minutos antes do início das apresentações, o movimento aumentou. Todos se ajeitavam em seus lugares, tiravam fotos, riam.

Jiwon, Minjae e Soyeon sentaram-se juntos na fileira reservada aos formandos, enquanto o burburinho da festa diminuía com o anúncio de que as apresentações começariam em breve.

— Estranho... — murmurou Jiwon, olhando ao redor.

— O quê? — disse Minjae, virando-se para ela.

-Dohyun. Ele ainda não voltou.

Enquanto procurava pelo amigo, Jiwon descobriu que o professor substituto, Park Seojun, também havia desaparecido.

Na verdade, ele não estava mais por ali. Apenas a mulher que o acompanhava mais cedo permanecia próxima à entrada, olhando insistentemente para o celular e para a porta, como se esperasse por alguém.

— Ele já deve estar chegando — disse Minjae, tentando voar casualmente.

Antes que Jiwon pudesse responder, Minjae gritou repentinamente e ajeitou a gola do blazer.

— Ele não costuma desaparecer assim...

Mas, antes que pudesse continuar a conversa, um grito ecoou do lado oposto do salão.

Um aluno entrou correndo pela porta, pálido, olhos arregalados:

— Alguém caiu do terraço!

O silêncio caiu como uma onda — um segundo de imobilidade, de incredulidade coletiva.

Depois, o caos.

Gritos. Celulares sendo sacados às pressas. Gente correndo.

A ordem é desfeita em segundos.

Jiwon gelou. Seus olhos encontraram os de Soyeon.

— Dohyun... — murmurou Soyeon, o rosto perdendo a cor.

O coração de Jiwon disparou.

Sem pensar, clamou-se de um salto e saiu correndo com a multidão, o vestido esvoaçante, o som abafado dos gritos se misturando ao zumbido agudo em seus ouvidos.

Tudo dentro dela gritou por uma só resposta.

O corredor estava em alvoroço. Gritos e passos apressados ​​ecoavam pelas paredes, enquanto os alunos corriam em direção à saída. Jiwon sentiu o coração bater no peito como um tambor descompassado, os pensamentos em turbilhão. Ao seu lado, Soyeon a segue, pálida, os olhos arregalados de medo. Minjae vinha logo atrás, em silêncio, o rosto sério, quase sombrio.

Ao alcançarem o pátio externo, o som abafado da festa ficou para trás, substituído por um silêncio estranho — o tipo de silêncio pesado que precede uma tragédia.

Uma pequena multidão se aglomerou próximo à lateral do prédio. Jiwon forçou a passagem, puxando Soyeon pela mão, e Minjae veio junto, sem hesitar. Quando os três chegaram viram além das pessoas, pararam de imediato.

No chão frio de pedra, cercado por cacos de vidro e encomendas amassadas de um arranjo floral que caiu do alto, alguém jazia propriedade.

Jiwon levou a mão à boca. O choque percorreu seu corpo como uma descarga elétrica. Uma camisa azul clara. O tênis branco com detalhe verde. Ela consideraria em qualquer lugar.

— Dohyun... — sussurrou.

Soyeon soltou uma pequena solução e se agarrou ao braço de Jiwon. -- Não... não pode ser...

Minjae hospeda imóvel por um instante. Seu olhar vai do corpo ao terraço, depois para as amigas. Respirava fundo, como quem tentava controlar algo por dentro. Seus punhos estavam fechados.

— Isso... isso não pode estar acontecendo — murmurou ele, finalmente.

Jiwon recuou um passo, os olhos fixos no corpo no chão, como se recusasse a acreditar. A sirene de uma ambulância começou a voar ao longo, invadindo o ar com sua urgência cortante.

Ela sentiu as pernas fraquejarem. Minjae, rápido, segurando-a pelos ombros.

— Jiwon... olha para mim. Respira — disse ele, com voz baixa, firme, mas tensa.

Soyeon ainda segurava a mão da amiga com força.— A gente precisa saber... se é ele mesmo...

— Não tem como não ser... — respondeu Jiwon, num sussurro, sem tirar os olhos do corpo.

O mundo parecia em câmera lenta. 

Dohyun não voltará das apresentações.

Jiwon sentiu o peso do mundo pressionando seu peito. A visão de Dohyun, estirado no chão, sem vida, a deixou paralisada, como se seu corpo tivesse congelado naquele momento. Tentou respirar fundo, mas o ar parecia denso demais, impossível de ser ingerido.

Os outros ao redor parecem distantes, borrados. Ela mal ouvia o tumulto crescente, os gritos abafados e as sirenes que se aproximavam. Só consegui olhar para ele — seu amigo, o garoto com quem havia compartilhado risos, olhares e silêncios. Agora, ele estava ali, imóvel, sem chance de despedidas, sem uma explicação, sem uma palavra.

A dor era sufocante.

Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas, mas o peso da culpa a impediu de chorar no início. Por que ele teve que partir assim? Ele não havia dito aqui o que eu queria. Não havia aqui o que eu queria dela. E o que ela, Jiwon, nunca teve coragem de perguntar.

A lembrança da última vez que o viu — tão distante, tão imerso em algo que ela nunca soube — fez o peso em seu peito aumentar.O que ele queria lhe contar?O que ela poderia ter feito para mudar aquilo?Tudo parecia cruel demais para ser verdade.

Soyeon estava ao seu lado, o rosto também marcado pelo sofrimento, mas Jiwon não conseguiu mais se controlar. Deixou as lágrimas caírem, sentindo a dor da perda tomar conta de si de uma vez. As lágrimas rolavam livremente enquanto ela soluçava, tentando encontrar algum consolo, algum sinal de que aquilo era só um pesadelo do qual logo acordaria.

Ela olhou para Minjae, que permaneceu em silêncio, uma expressão fechada. Mas Jiwon mal consegue prestar atenção naquele momento. A dor era tão, e o vazio tão grande, que ela só conseguia sentir o quanto a perda de Dohyun a fazia desmoronar. Ele não estava mais ali. E isso não faz sentido.

Os murmúrios aumentaram ao redor, mas Jiwon mal os ouvia. Sentia o peso do momento em cada centímetro do corpo. O vazio, a dor, a incredulidade. Uma confusão. Estava perdido. E só posso chorar.

Foi nesse momento que ela ouviu a voz da mulher que acompanhava o professor Seojun, tentando falar com um policial. A menção do nome dele trouxe um pequeno lampejo de lucidez à sua mente, logo eclipsado pelo grito angustiado de Soyeon:

— Jiwon, ele... ele não vai voltar... Não vai... — Soyeon se encolheu, desabando no ombro da amiga, o rosto contorcido em dor. Ambas, sem palavras. Só o som da dor que não poderia estar contido.

Jiwon, ainda em choque, colocou os braços ao redor de Soyeon, tentando sustentá-la enquanto o próprio mundo desabava. Haviam perdido Dohyun. Para sempre.

O som das sirenes da ambulância e da polícia agora parecia distante e irreal. Nada mais importante naquele momento. Não houve mais tempo para explicar, nem para despedidas.

Apenas o lamento. E a dor de um amigo perdido para sempre.

As sirenes cortavam o ar — um som agudo que parecia rasgar a realidade. O caos que tomou conta da escola começou a ser organizado por vozes firmes e ordens rápidas.

Os paramédicos se apressaram até o corpo de Dohyun, mas bastava um olhar para entender: não havia mais nada a fazer.

— Por favor, afastem-se! — fala um policial, abrindo espaço com as mãos estreitas. — Ninguém toca em nada até que terminemos a perícia!

Jiwon estava ajoelhada ao lado de Soyeon, o rosto molhado de lágrimas, os olhos fixos no corpo imóvel do amigo. Seu peito doía, como se alguém tivesse cravado um gancho no meio dele e puxado com força. A lembrança do último sorriso de Dohyun era como uma lâmina em sua mente.

— Ele queria me dizer algo… — sussurrou, mais para si mesma do que para os amigos. — Ele estava estranho… por que ele não falou?

Minjae, de pé ao lado delas, mantinha o olhar fixo à frente, a mandíbula contraída. Não chorei. Apenas observava em silêncio, como se ainda processasse o que aconteceu.

Um choro desesperado rasgou o ar.

— MEU FILHO! NÃO! — era a mãe de Dohyun, que corria em direção ao local, sendo amparada por dois policiais. — DOHYUN!

O pai veio logo atrás, com os olhos arregalados e sem fôlego, como se o chão tivesse sumido sob seus pés. Caiu de joelhos ao lado da maca, o rosto tomado pelo desespero, tentando tocar o filho que já não respondia mais.

Jiwon se encolheu ao ver a cena, e mais lágrimas brotaram. Soyeon chorou ao seu lado, soluçando alto, e foi quando os tios dela e Junho chegaram. A tia de Jiwon se ajoelhou, envolvendo as duas meninas num abraço protetor.

— Meninas, estamos aqui… meu Deus… — sussurrou, os olhos marejados.

— Que tragédia… — murmurou Junho, puxando Soyeon para perto, como se instintivamente queria mantê-la segura.

Minjae desviou o olhar da cena, respirando fundo, os punhos fechados. Um tremor imperceptível percorreu seus ombros.

De repente, uma voz sussurrada chegou aos ouvidos de Jiwon:

— Foi o professor Park Seojun quem encontrou o corpo…

Ela se virou, ainda trêmula, e viu o professor ao longe, conversando com dois policiais e um coordenador. Seu semblante estava sério, mas sereno demais, como se já estivesse preparado para aquilo.

Jiwon franziu o cenho. — Ele encontrou...?

Antes que pudesse pensar mais, um dos policiais se mudou com semblante sério e olhar atento.

— Senhorita, você foi próxima da vítima?

Ela assentiu com dificuldade, a voz presa na garganta. — Sim...

— Vamos precisar do seu depoimento. Podemos nos acompanhar?

Antes que ela respondesse, outro policial se mudou de Minjae e Soyeon, que ainda estavam por vir, tentando entender o que havia acontecido.

— Vocês dois também ficaram com a vítima hoje?

Minjae encarou o policial por um instante antes de assentir. — Estávamos juntos mais cedo, sim.

— Então, por favor, nos acompanhem. Precisamos registrar os depoimentos de todos que tiveram contato recente com ele.

Jiwon se levantou com a ajuda de Soyeon, com as pernas trêmulas. Minjae, calado, apenas observando, como se medisse sua dor — ou escondendo a própria.

Enquanto era levado junto aos dois, Jiwon olhou uma última vez para o corpo de Dohyun, agora coberto pela lona. Um nó abriu sua garganta. Ele queria dizer algo naquela noite. Algo importante. E agora... era tarde demais.

Mas, mesmo em meio à dor, uma nova cirurgia inconveniente, quase imperceptível, mas impossível de ignorar.

Não fazia sentido.

E, no fundo do peito, uma semente de dúvida começou a germinar.

Aquilo… tinha realmente sido um acidente?