A funerária estava silenciosa. Um peso denso pairava no ar, como se o próprio ambiente tivesse sido consumido pelo luto. A luz suave das lâmpadas e o aroma das flores misturavam-se ao silêncio constrangedor, quebrado apenas pelos soluços abafados de familiares e amigos. Jiwon, Soyeon e Minjae estavam, mais uma vez, reunidos por algo que jamais imaginaram ser necessário: a despedida.
As mãos de Soyeon tremiam. Os olhos, ainda em choque, eram incapazes de compreender a realidade. Ela não sabia como agir, como lidar com o vazio que tomava o lugar do seu amigo.
Jiwon sentiu como se o chão tivesse sido arrancado debaixo dos seus pés. Flutuava em um aspirador, envolto por culpa e dúvidas corrosivas. O que ele queria me dizer antes de tudo isso acontecer? Não faz sentido.
Os policiais estavam empenhados em examinar cada detalhe. O professor Park Seojun, que havia encontrado o corpo, foi um dos primeiros a ser interrogado. Parecia calmo, quase imune ao caos ao redor. Sua fala era firme, sem vacilos, o que desconcertou ainda mais Jiwon e Soyeon. Algo parecia errado. Mas não havia provas concretas de qualquer envolvimento.
Minjae, ao lado dos dois, não sabia o que dizer. Seu silêncio reflete o peso da situação. Embora fosse para apoiar, as palavras não eram suficientes. Ele também sabia que a verdade sobre a morte de Dohyun ainda não havia sido descoberta.
Uma carta, aparentemente descartada, foi encontrada na mochila de Dohyun, com outros objetos pessoais. Mas as suspeitas não paravam de crescer. Por que ele, em um momento de aparente lucidez, tomou uma decisão tão drástica? E por que não buscou ajuda com alguém em quem confiasse, como Jiwon?
As palavras do policial, afirmando que a carta de suicídio era uma declaração clara do motivo da morte, soavam distantes, quase irreais. Jiwon e Soyeon não conseguiram acreditar. Dohyun, tão cheio de planos e esperança para o futuro, simplesmente não desaparece assim.
— Não... não faz sentido — sussurrou Soyeon, a voz trêmula. — Ele não teria feito isso. Não é assim.
Jiwon abriu com força o lenço que segurava.
— Ele tinha algo importante para me contar naquele dia. Algo que mudaria tudo.
Minjae mantinha os olhos fixos na urna.
O que realmente aconteceu naquela noite? Por que ele partiu de forma tão repentinamente? E o que ele queria dizer a Jiwon?
Essas perguntas, sem resposta, ecoavam na mente dos três. Enquanto as tradições coreanas guiavam os rituais silenciosos e pesados, todos sabiam que a dor mais profunda não vinha apenas da perda, mas da sensação de que algo permanece inacabado — uma verdade ainda oculta.
Dias se passaram desde a morte de Dohyun, mas a dor permanece cravada no coração de Jiwon e Soyeon, como se o tempo tivesse congelado naquele instante de perda.
Apesar das dúvidas e suspeitas, as autoridades encerraram o caso como suicídio. Para quem realmente conhecia Dohyun, a explicação soava vazia — mas não havia mais o que fazer. Resta aceitar. Ou, ao menos, tente.
A formatura, antes tão aguardada, havia perdido o brilho. Com o luto um pouco amenizado, Soyeon se preparou para uma viagem ao exterior, como já havia sido combinada entre as famílias.
Foi então que, dias antes da partida, ela recebeu uma mensagem inesperada. Junho.
Desde o incidente, eles não se viam, nem trocavam palavras. A mensagem era breve, quase fria:
“Podemos conversar antes da sua viagem?”
Encontraram-se num café discreto. O reencontro foi carregado de tensão e lembranças não resolvidas.
— Como você está? — Disse Junho, em voz baixa.
— Bem... ou pelo menos tentando — respondeu Soyeon, tocando a xícara à sua frente.
Junho assentiu, visivelmente desconfortável.
— Eu queria dizer que... não fui eu quem pediu aos nossos pais para voltarmos a ter contato. Foi ideia deles.
Soyeon soltou uma risada breve, sem humor.
— Claro que não foi ideia sua. Seria a última coisa que você faria, depois de tanto tempo calado.
— Não é tão simples assim — rebateu ele, tenso. — Pensei em falar com você tantas vezes, mas... não consegui.
— E agora quer falar? Quando estou indo embora? — a voz dela era firme, ferida.
Junho ficou em silêncio por um instante.
— Me desculpe. Eu sei que errei. Não queria que você achasse que tudo entre a gente acabou desse jeito.
Soyeon respirou fundo e se acalmou.
— Junho, não há mais o que conversar.
Ele a segurou levemente pelo braço.
— Por favor... ouve só mais um pouco.
Ela hesitou... e sentou-se novamente.
— Eu ainda gosto de você, Soyeon — disse ele com sinceridade. — Sempre gostei. Eu só não sabia como lidar com isso.
Ela desviou o olhar, o coração acelerado.
— Junho... é tarde demais.
Ele baixou a cabeça, vencido pela frustração.
— Eu entendo. Mas... podemos ao menos ser amigos? Durante a viagem?
Soyeon ficou em silêncio por alguns segundos. O barulho suave da máquina de café preenchia o ambiente. Ela olhou para Junho e, por um breve instante, viu nele o garoto com quem dividia risos e segredos.
— Não sei se consigo ser só sua amiga, Junho. Ainda tem muita coisa aqui dentro... — pousou a mão sobre o peito. — E não estou falando de amor. Estou falando de decepção.
Junho abaixou os olhos, como se a culpa pesasse ainda mais.
— Eu mereço ouvir isso.
— Mas... — ela contínua, mais suave — também não quero partir com ressentimentos. Talvez, se dermos tempo ao tempo... a gente consiga conversar com menos dor.
Ele a encarou, esperançoso.
— Você vai responder às minhas mensagens?
— Se forem respeitosas e sem cobranças... talvez sim. — Ela sorriu, pela primeira vez. — Não estou prometendo nada. Mas podemos tentar começar do zero. Como dois desconhecidos.
Ele sorriu, aliviado.
— Isso já significa muito para mim.
Soyeon terminou o último gole de café, levantou-se com delicadeza e pegou a bolsa. Junho a acompanhar até a porta.
— Nós nos vemos no aeroporto.
O dia da partida chegou. O céu estava coberto por nuvens. A estação de trem estava movimentada, mas para Jiwon e Soyeon, o mundo parecia desacelerar.
— Promete que vai me mandar mensagem todo dia? — Jiwon perguntou, tentando conter o choro.
— Só se você promete que eu responderei rapidamente — Soyeon luminosa, os olhos marejados.
Concordância de Jiwon.
— Não acredito que isso esteja realmente acontecendo.
Soyeon segurou as mãos da amiga com força.
— Eu também não. Parece que ontem mesmo a gente tava rindo no terraço... com o Dohyun.
O nome dele pairou no ar. Jiwon abaixo dos olhos.
— Ainda sinto como se ele fosse aparecer, dizendo que está atrasado.
— Eu também. Mas ele queria que a gente seguisse em frente. Você estava feliz, Jiwon.
Jiwon se convenceu e abraçou uma amiga com força.
— Você sente tanto sua falta.
— Eu também. Mas isso não é um adeus. É um até logo.
Soyeon pegou a mala e virou-se uma última vez.
— Cuida de você. E não para escrever. Você ainda tem uma história linda pra viver, Jiwon.
Jiwon sorri com lágrimas nos olhos.
— Boa viagem, Soyeon.
E naquele instante, sozinha entre desconhecidos, ela sentiu que algo dentro dela também partia. Mas, estranhamente, algo novo nasceu — como se aquela despedida abrisse caminho para outra etapa, para um novo capítulo.
Quatro anos se passaram desde a última vez que Jiwon viu o professor Park Seojun. Depois do incidente com Dohyun, ele simplesmente desapareceu. Para Jiwon, era como se tivesse evaporado, levando com ele perguntas que nunca foram respondidas.
Minjae, por outro lado, esperando.
Ele esteve ao seu lado em cada passo, como uma sombra silenciosa e constante. Sempre prestativo, protetor, presente. Agora formado em Administração, trabalhava na sua própria empresa, mas ainda morava com a família. Jiwon, por sua vez, estava se formando em Medicina. Sonhava com independência, com liberdade. E apesar de tudo parecer em paz… a sensação de estar presa nunca a abandonava.
A casa, que antes era um campo de batalha emocional, agora era silenciosa.
Ela tentou sair várias vezes. Planejou aluguéis, visitou apartamentos, chegou a assinar um contrato… mas misteriosamente, as situações sempre davam erradas. O contrato foi cancelado sem explicação. O proprietário mudou de ideia. Ou os dois, com a ajuda de Minjae, fizeram algum tipo de intervenção.
— Você ainda é jovem, Jiwon. Não precisa se apressar para viver sozinha — disse seus tios
Mas, para Jiwon, aquilo soava como um grilhão.
Mais estranho ainda era o padrão que se repetia em sua vida social. Sempre que alguém começava a se aproximar, logo se afastava. Amigos da aula. Colegas do estágio. Todos se tornaram distantes, como se algo — ou alguém — os impedisse de criar laços com ela. No começo, pensei que fosse paranoia. Mas, com o tempo, o padrão ficou claro demais para ser ignorado.
Sua única amiga verdadeira, Soyeon, ainda morava no exterior. Conversavam com frequência, mas a distância tornava tudo mais frio. Jiwon sentiu-se sozinha e, ao mesmo tempo, vigiada. Como se sua vida tivesse limites invisíveis que não pudessem ultrapassar.
Naquela noite, olhando pela janela do quarto, Jiwon abraçou os próprios joelhos. O celular piscou com uma mensagem de Minjae:
" Desce para jantar. Tô te esperando."
Ela encarou a tela por alguns segundos, depois colocou o aparelho de lado. O estômago estava vazio, mas o peito... cheio. De dúvidas, de medos, de uma vontade reprimida de viver algo que nem sabia nomear.
E, dentro dela, uma voz começava a sussurrar algo que ela ignorava há anos:
Há algo errado. Muito errado.
Naquela mesma noite, o jantar teve um sabor amargo.
Kyungwoo chegou mais cedo que o habitual, com os ombros rígidos e os olhos inquietos. Sentou-se à mesa em silêncio, mal tocou na comida. Jiwon, acostumada à postura sempre controlada e imposta pelo tio, estranhou o comportamento.
— Estava pensando em fazer uma viagem neste fim de semana — disse ele de repente, sem os encarar. — Sairemos cedo.
Jiwon extraiu os olhos do prato, surpresa.
— Eu não posso, tio. Tenho estágio no hospital.
O silêncio que se seguiu foi cortado por um grito que ela jamais imaginou ouvir vindo dele:
— Eu não vou pedir, Jiwon! Estou ordenando!
Uma colher caiu do garfo de Minjae, que o olhou incrédulo. A tia de Jiwon congelou, os olhos arregalados. O coração de Jiwon disparou. Ela abaixou a cabeça, pressionou os lábios com força, como quem tenta conter um nó na garganta. Uma velha abertura no peito voltou com intensidade, como uma lembrança viva do passado.
— Vamos conversar — murmurou a tia, tocando o braço de Kyungwoo. Os dois se levantaram e seguiram em direção ao quarto.
Minjae e Jiwon sentados à mesa. Ele olhou para ela, tentando sorrir.
— Não se preocupe... ele deve estar tão estressado. Eu vou ver o que está acontecendo.
Ela assentiu em silêncio, mas seus olhos diziam tudo: medo, confusão e aquele velho sentimento de não pertencer.
Minjae caminhou até o corredor. Aproximou-se do quarto dos pais com passos leves, mas, ao ouvir vozes baixas do outro lado da porta entreaberta, parou.
— Kyungwoo… o que está comemorando com você? — era a voz aflita da mãe.
— Eu o vi. Em Busan — a voz do pai soava tensa, abafada. — O meu antigo chefe. Aquele homem. O infeliz que sequestrou Jiwon. Ele me descobriu. Fez perguntas demais. Acho que ele sabe... sabe que ela está viva.