CAPÍTULO 11 – Herdeiro do Sistema

João olhava fixamente para a imagem diante dele.

O rosto de seu pai — ou melhor, do homem que ele só conhecia pelos pesadelos esporádicos da infância — sorria na foto, como se nada tivesse acontecido.

Como se não tivesse criado uma geração inteira de crianças para serem ferramentas vivas de um experimento global.

A ficha caiu com um baque silencioso.

Não era só sobre destruição ou sobrevivência. Era pessoal. Era sobre sangue.

Elías fechou o notebook com cautela.

— Essa imagem foi extraída de um backup da CLAUSTRO. Quase tudo foi apagado… menos essa pasta com o nome “CÓDICE INICIAL”.

— Por que isso ainda existe? — João perguntou, a voz embargada pela raiva contida.

— Porque todo sistema precisa manter seu erro gravado. Pra nunca mais cometê-lo. Você foi esse erro.

João se levantou e caminhou até o pequeno espelho empoeirado na parede do bunker.

Encarou a própria imagem. Os olhos estavam diferentes agora.

Mais firmes.

Mais frios.

Mais... claros. Como se agora ele enxergasse o próprio DNA gritando.

— Então é isso. Fui gerado pra ser a arma perfeita.

Ele deu uma risada seca.

— E escapei porque eles erraram comigo?

Elías respondeu com calma:

— Eles não erraram. Seu pai sabia exatamente o que fazia. Você era o plano B.

Silêncio.

— Se tudo desse errado com o protocolo principal, você seria o último recurso. Uma mistura de tudo. O código genético mais avançado... e a última chance de manter o controle.

— Só que ele não contou que eu... teria vontade própria.

---

Horas depois, João e Natasha estavam sozinhos numa sala pequena da base.

Ela ainda estava abalada com o que aconteceu. O controle, a lavagem mental, a tentativa de assassinato... tudo ainda latejava na alma.

— Eu não consigo me perdoar.

— Você não tem que se perdoar, Natasha. Você tem que se lembrar.

— De quê?

João se aproximou e encostou a testa na dela.

— Que você não é uma ferramenta. Que você tem nome, história... e que quando me olhou nos olhos naquela noite… você era mais humana do que qualquer um ali fora.

Ela deixou as lágrimas escorrerem.

Mas o momento foi interrompido por um alarme suave. Elías entrou na sala, sério.

— Precisamos nos mover. A base de Porto foi reforçada. Eles sabem que você vai tentar ir até lá.

— Melhor ainda, — João respondeu, se levantando. — Vamos dar a eles exatamente o que esperam… mas do nosso jeito.

Elías entregou um mapa. Havia um túnel subterrâneo, esquecido desde a era da Guerra Fria, que passava direto por baixo da Base Sombra 04.

— Só pode ser ativado manualmente por alguém do lado de dentro, — Elías avisou.

— E quem vai fazer isso?

Todos se olharam.

Foi Natasha quem respondeu:

— Eu.

João negou com a cabeça.

— Você ainda tá se recuperando.

— Justamente por isso. Eles não vão desconfiar. Vão achar que ainda me controlam.

— Eu não quero te perder.

— E eu não quero que você enfrente isso sozinho.

À noite, deitado na cama dura do esconderijo, João não conseguia dormir.

A mente rodava em círculos. O passado se reescrevia como uma fita velha rebobinando.

Mas em meio à bagunça mental, uma lembrança veio nítida:

> Ele com 5 anos, numa sala branca. Uma mulher de cabelo preso, usando jaleco. Ela dizia: — Você vai ser o mais forte, Joãozinho. Porque você é metade dele… e metade de mim.

João sentou na cama.

— Metade dele… e dela?

Correu até Elías.

— Preciso de mais imagens. Preciso saber quem era a mulher da pesquisa. A outra cientista do projeto.

Elías digitou alguns códigos e abriu uma foto antiga, escondida num diretório criptografado.

João sentiu as pernas fraquejarem.

A mulher da foto tinha os mesmos olhos que ele.

— Minha mãe.

E abaixo da foto, o nome:

Natália Bennett.

João olhou pra Elías, em choque.

— A mãe da Natasha.