João olhava fixamente para a imagem diante dele.
O rosto de seu pai — ou melhor, do homem que ele só conhecia pelos pesadelos esporádicos da infância — sorria na foto, como se nada tivesse acontecido.
Como se não tivesse criado uma geração inteira de crianças para serem ferramentas vivas de um experimento global.
A ficha caiu com um baque silencioso.
Não era só sobre destruição ou sobrevivência. Era pessoal. Era sobre sangue.
Elías fechou o notebook com cautela.
— Essa imagem foi extraída de um backup da CLAUSTRO. Quase tudo foi apagado… menos essa pasta com o nome “CÓDICE INICIAL”.
— Por que isso ainda existe? — João perguntou, a voz embargada pela raiva contida.
— Porque todo sistema precisa manter seu erro gravado. Pra nunca mais cometê-lo. Você foi esse erro.
João se levantou e caminhou até o pequeno espelho empoeirado na parede do bunker.
Encarou a própria imagem. Os olhos estavam diferentes agora.
Mais firmes.
Mais frios.
Mais... claros. Como se agora ele enxergasse o próprio DNA gritando.
— Então é isso. Fui gerado pra ser a arma perfeita.
Ele deu uma risada seca.
— E escapei porque eles erraram comigo?
Elías respondeu com calma:
— Eles não erraram. Seu pai sabia exatamente o que fazia. Você era o plano B.
Silêncio.
— Se tudo desse errado com o protocolo principal, você seria o último recurso. Uma mistura de tudo. O código genético mais avançado... e a última chance de manter o controle.
— Só que ele não contou que eu... teria vontade própria.
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Horas depois, João e Natasha estavam sozinhos numa sala pequena da base.
Ela ainda estava abalada com o que aconteceu. O controle, a lavagem mental, a tentativa de assassinato... tudo ainda latejava na alma.
— Eu não consigo me perdoar.
— Você não tem que se perdoar, Natasha. Você tem que se lembrar.
— De quê?
João se aproximou e encostou a testa na dela.
— Que você não é uma ferramenta. Que você tem nome, história... e que quando me olhou nos olhos naquela noite… você era mais humana do que qualquer um ali fora.
Ela deixou as lágrimas escorrerem.
Mas o momento foi interrompido por um alarme suave. Elías entrou na sala, sério.
— Precisamos nos mover. A base de Porto foi reforçada. Eles sabem que você vai tentar ir até lá.
— Melhor ainda, — João respondeu, se levantando. — Vamos dar a eles exatamente o que esperam… mas do nosso jeito.
Elías entregou um mapa. Havia um túnel subterrâneo, esquecido desde a era da Guerra Fria, que passava direto por baixo da Base Sombra 04.
— Só pode ser ativado manualmente por alguém do lado de dentro, — Elías avisou.
— E quem vai fazer isso?
Todos se olharam.
Foi Natasha quem respondeu:
— Eu.
João negou com a cabeça.
— Você ainda tá se recuperando.
— Justamente por isso. Eles não vão desconfiar. Vão achar que ainda me controlam.
— Eu não quero te perder.
— E eu não quero que você enfrente isso sozinho.
—
À noite, deitado na cama dura do esconderijo, João não conseguia dormir.
A mente rodava em círculos. O passado se reescrevia como uma fita velha rebobinando.
Mas em meio à bagunça mental, uma lembrança veio nítida:
> Ele com 5 anos, numa sala branca. Uma mulher de cabelo preso, usando jaleco. Ela dizia: — Você vai ser o mais forte, Joãozinho. Porque você é metade dele… e metade de mim.
João sentou na cama.
— Metade dele… e dela?
Correu até Elías.
— Preciso de mais imagens. Preciso saber quem era a mulher da pesquisa. A outra cientista do projeto.
Elías digitou alguns códigos e abriu uma foto antiga, escondida num diretório criptografado.
João sentiu as pernas fraquejarem.
A mulher da foto tinha os mesmos olhos que ele.
— Minha mãe.
E abaixo da foto, o nome:
Natália Bennett.
João olhou pra Elías, em choque.
— A mãe da Natasha.