João encarava a imagem da mulher com uma mistura de choque, raiva e… saudade?
Era a primeira vez na vida que via o rosto da própria mãe.
Os mesmos olhos escuros. O mesmo queixo firme. O mesmo traço na sobrancelha esquerda — uma leve curva que ele sempre achou estranha.
— Por que... ninguém nunca me disse isso? — sussurrou ele.
Elías se aproximou devagar.
— Porque sua mãe desapareceu antes de você completar seis anos. Os registros foram deletados por ordem direta do seu pai.
— Ele apagou ela da história.
— Não só ela. Qualquer um que questionasse o rumo do projeto. Natália Bennett foi a primeira cientista a entender que o poder que estavam tentando despertar em crianças como você... não podia ser controlado.
João se sentou, tentando digerir.
— Ela não concordava com os métodos?
— Ela acreditava que a mente humana não foi feita pra processar tanta informação, tanta emoção, tanta responsabilidade. O “Análise Total” era um poder bruto demais pra ser usado por alguém sem maturidade emocional.
— Então… ela queria me proteger?
— Ela tentou. Mas seu pai… já tinha planos maiores.
João ficou em silêncio por longos segundos.
— Eu achava que era um acaso. Um acidente genético. Mas fui feito com intenção. Eu sou a junção deles.
Ele olhou pro teto como se falasse com o além.
— A mãe que tentou me salvar. E o pai que tentou me dominar.
Elías colocou a mão no ombro dele.
— E agora, você precisa decidir: qual das duas heranças vai seguir.
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Na outra sala, Natasha escutava tudo.
Ela não conseguia parar de tremer. A mãe de João… era também sua mãe.
O que significava aquilo?
Elías havia confirmado: elas tinham a mesma mãe, mas pais diferentes.
Meio-irmãos.
E aquele romance quente, perigoso, intenso que surgiu entre eles... agora carregava um peso novo.
João entrou na sala devagar.
— Você ouviu?
— Sim.
Silêncio. Um silêncio denso, que parecia cortar o ar em pedaços.
— Isso muda tudo? — ele perguntou.
Natasha desviou o olhar.
— Muda o contexto… mas não o que eu senti.
Ele se aproximou, sem pressa.
— Eu não sei o que isso faz da gente. Mas sei que o que a gente viveu... não foi mentira. Não foi manipulação.
Ela o encarou.
— Eu fui treinada pra resistir a qualquer laço afetivo. Mas você… você me atravessou, João. Como um raio atravessa a pele.
Ele segurou o rosto dela.
— A gente não escolheu nascer desse jeito. Mas a gente pode escolher o que fazer com isso agora.
Natasha encostou a testa na dele, fechando os olhos.
— Então vamos fazer isso valer a pena.
—
No dia seguinte, o plano foi traçado.
Natasha seria levada até a base da CLAUSTRO em Porto como se ainda estivesse sob efeito do Protocolo Zero-Mente.
João e Elías usariam o túnel antigo pra entrar por baixo, acessando a sala de dados onde estariam os arquivos do "CÓDICE INICIAL".
Mas havia um problema.
— O túnel está instável. Foi selado nos anos 90. E só pode ser ativado de dentro da estação subterrânea... que fica atrás da muralha hidráulica da CLAUSTRO.
— Ou seja... alguém precisa ativar o mecanismo antes de a gente entrar.
— Exato.
João se ofereceu.
— Eu entro primeiro.
— Você não vai conseguir sozinho — disse Natasha. — E eu não posso deixar você ir sem mim.
Elías interrompeu.
— Eu vou.
— O quê? — João e Natasha disseram ao mesmo tempo.
— Já fui soldado. Já fui traidor. Já fui desertor. Deixa eu ser útil de novo… deixa eu morrer por algo certo, pela primeira vez.
João segurou o aperto no peito.
— Você não vai morrer, Elías. Mas se tudo der errado... manda uma última mensagem.
Elías assentiu, sério.
— Qual mensagem?
— Só uma palavra.
João olhou pra Natasha.
— “Despertou.”
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E em algum lugar escuro, o pai de João observava as câmeras.
— O filho voltou pro tabuleiro.
Um cientista ao lado perguntou:
— Ativamos o Código Final?
O homem sorriu.
— Não. Vamos deixá-lo entrar.
Ele se levantou, com um casaco preto, o símbolo da CLAUSTRO no peito.
— Quero que ele veja com os próprios olhos o mundo que eu construí… em nome dele.