CAPÍTULO 12 – A Herança dos Dois

João encarava a imagem da mulher com uma mistura de choque, raiva e… saudade?

Era a primeira vez na vida que via o rosto da própria mãe.

Os mesmos olhos escuros. O mesmo queixo firme. O mesmo traço na sobrancelha esquerda — uma leve curva que ele sempre achou estranha.

— Por que... ninguém nunca me disse isso? — sussurrou ele.

Elías se aproximou devagar.

— Porque sua mãe desapareceu antes de você completar seis anos. Os registros foram deletados por ordem direta do seu pai.

— Ele apagou ela da história.

— Não só ela. Qualquer um que questionasse o rumo do projeto. Natália Bennett foi a primeira cientista a entender que o poder que estavam tentando despertar em crianças como você... não podia ser controlado.

João se sentou, tentando digerir.

— Ela não concordava com os métodos?

— Ela acreditava que a mente humana não foi feita pra processar tanta informação, tanta emoção, tanta responsabilidade. O “Análise Total” era um poder bruto demais pra ser usado por alguém sem maturidade emocional.

— Então… ela queria me proteger?

— Ela tentou. Mas seu pai… já tinha planos maiores.

João ficou em silêncio por longos segundos.

— Eu achava que era um acaso. Um acidente genético. Mas fui feito com intenção. Eu sou a junção deles.

Ele olhou pro teto como se falasse com o além.

— A mãe que tentou me salvar. E o pai que tentou me dominar.

Elías colocou a mão no ombro dele.

— E agora, você precisa decidir: qual das duas heranças vai seguir.

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Na outra sala, Natasha escutava tudo.

Ela não conseguia parar de tremer. A mãe de João… era também sua mãe.

O que significava aquilo?

Elías havia confirmado: elas tinham a mesma mãe, mas pais diferentes.

Meio-irmãos.

E aquele romance quente, perigoso, intenso que surgiu entre eles... agora carregava um peso novo.

João entrou na sala devagar.

— Você ouviu?

— Sim.

Silêncio. Um silêncio denso, que parecia cortar o ar em pedaços.

— Isso muda tudo? — ele perguntou.

Natasha desviou o olhar.

— Muda o contexto… mas não o que eu senti.

Ele se aproximou, sem pressa.

— Eu não sei o que isso faz da gente. Mas sei que o que a gente viveu... não foi mentira. Não foi manipulação.

Ela o encarou.

— Eu fui treinada pra resistir a qualquer laço afetivo. Mas você… você me atravessou, João. Como um raio atravessa a pele.

Ele segurou o rosto dela.

— A gente não escolheu nascer desse jeito. Mas a gente pode escolher o que fazer com isso agora.

Natasha encostou a testa na dele, fechando os olhos.

— Então vamos fazer isso valer a pena.

No dia seguinte, o plano foi traçado.

Natasha seria levada até a base da CLAUSTRO em Porto como se ainda estivesse sob efeito do Protocolo Zero-Mente.

João e Elías usariam o túnel antigo pra entrar por baixo, acessando a sala de dados onde estariam os arquivos do "CÓDICE INICIAL".

Mas havia um problema.

— O túnel está instável. Foi selado nos anos 90. E só pode ser ativado de dentro da estação subterrânea... que fica atrás da muralha hidráulica da CLAUSTRO.

— Ou seja... alguém precisa ativar o mecanismo antes de a gente entrar.

— Exato.

João se ofereceu.

— Eu entro primeiro.

— Você não vai conseguir sozinho — disse Natasha. — E eu não posso deixar você ir sem mim.

Elías interrompeu.

— Eu vou.

— O quê? — João e Natasha disseram ao mesmo tempo.

— Já fui soldado. Já fui traidor. Já fui desertor. Deixa eu ser útil de novo… deixa eu morrer por algo certo, pela primeira vez.

João segurou o aperto no peito.

— Você não vai morrer, Elías. Mas se tudo der errado... manda uma última mensagem.

Elías assentiu, sério.

— Qual mensagem?

— Só uma palavra.

João olhou pra Natasha.

— “Despertou.”

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E em algum lugar escuro, o pai de João observava as câmeras.

— O filho voltou pro tabuleiro.

Um cientista ao lado perguntou:

— Ativamos o Código Final?

O homem sorriu.

— Não. Vamos deixá-lo entrar.

Ele se levantou, com um casaco preto, o símbolo da CLAUSTRO no peito.

— Quero que ele veja com os próprios olhos o mundo que eu construí… em nome dele.