O velho túnel sob Porto era mais do que uma estrutura esquecida — era um cemitério de memórias e segredos.
O ar cheirava a ferrugem, mofo e pólvora antiga.
As paredes de concreto estavam rachadas, cobertas por fios e tubos que pareciam raízes metálicas brotando de um organismo morto.
João desceu primeiro, a lanterna presas na cabeça.
Elías vinha atrás com o mapa da estrutura original impresso em papel grosso, já desbotado pelo tempo.
— Esse lugar foi usado pela inteligência soviética nos anos 80. Tinha ligação com o porto marítimo, mas a CLAUSTRO o ocupou nos anos 2000. Reforçaram com sensores térmicos, microfones escondidos e…
— Minas terrestres? — João completou, agachando-se diante de um sensor de pressão.
— Isso aí.
Ele tirou uma chave fina do bolso e desarmou o circuito com um movimento limpo.
— João Smith, o homem que sente intenções... e desativa armadilhas como se estivesse coçando a orelha.
Elías riu, mas havia um nervosismo no riso.
—
Horas depois, já mais fundo na rede de túneis, Natasha surgiu pelo canal secundário.
Ela havia sido “capturada” por uma equipe da CLAUSTRO e levada ao interior da base como parte do plano.
Mas antes de se separar, ela deixou algo no bolso de João: um pingente.
Não mágico. Não tecnológico. Só… um símbolo. Um elo.
> “Se tudo escurecer, lembra do que ainda brilha,” ela disse, antes de partir.
—
Lá embaixo, perto do núcleo da base, os sons mudaram.
O silêncio deu lugar a vozes abafadas.
Passos metálicos. Respirações robóticas.
— Unidades do protocolo Centelha. — Elías sussurrou.
— Ciborgues?
— Humanos com implantes cerebrais CLAUSTRO. Não sentem dor. Não sentem medo.
— Perfeito. Eu também tô sem paciência hoje.
João avançou pela lateral, esperou o momento certo e lançou uma granada de pulso no meio do corredor.
A luz piscou. Um zumbido vibrou. E os três primeiros soldados caíram como marionetes com as cordas cortadas.
— Avançamos. — disse ele, com a respiração controlada.
—
Mais adiante, encontraram a estação hidráulica.
Um painel velho, com luzes piscando, ainda mantinha o sistema funcionando em parte.
Elías se aproximou com as mãos firmes.
— Só preciso conectar isso aqui… e a entrada pelo mar se abre. Vocês seguem. Eu fico.
João hesitou.
— Eu não quero que isso seja um adeus.
— Então pensa como um “até logo”.
— Se der errado…
Elías sorriu.
— Manda a mensagem.
João assentiu. Tocou o ombro do velho companheiro e seguiu adiante, entrando na passagem secreta que levava ao centro da base.
—
Do outro lado, Natasha já estava sendo levada ao núcleo pelos cientistas da CLAUSTRO.
Ela fingia obediência, mas os olhos varriam tudo.
Ela contava os passos. Os turnos. Os códigos nas portas.
Até que pararam diante de uma sala branca.
Na porta, o nome:
"Sala de Observação – Elemento 08."
O coração dela quase parou.
Ela entrou.
E lá estava… a réplica da cela onde João cresceu.
O mesmo espelho.
A mesma luz fria.
E num canto, uma cadeira vazia — a cadeira onde, anos atrás, ele gritava pelos pais que nunca vinham.
— Estão reativando o trauma — sussurrou ela.
— Exatamente. — disse uma voz atrás dela.
Era o pai de João.
Terno cinza, cabelos grisalhos, olhos calmos como um assassino profissional.
— Ele vai lembrar. E quando lembrar... ele vai quebrar.
—
Na passagem inferior, João ouviu a primeira gravação.
“Elemento 08: reação instável. Tentativas de vínculo emocional resultaram em sobrecarga psíquica. Recomendação: reinicialização forçada.”
Ele tremeu.
— Eles tentaram apagar quem eu era.
E agora, estava prestes a lembrar de tudo.