A sala branca parecia respirar. As luzes tremiam suavemente, e os sons de máquinas desligadas sussurravam memórias que João ainda não sabia se queria ouvir.
Ele estava no corredor ao lado da antiga cela onde foi criado.
Cada passo ecoava como batidas de coração em pânico.
Elías havia conseguido abrir o sistema. A entrada pelos túneis estava feita.
Agora… ele estava sozinho.
—
Do outro lado da estrutura, Natasha observava o pai de João.
— Você tem coragem de chamar ele de filho?
— Eu tenho orgulho. O projeto nasceu dele. Literalmente.
— Você o condenou a viver como cobaia.
— E ele sobreviveu. Superou todos os outros. Isso não é punição, Natasha… é evolução.
Ela apertou o punho. Mas se controlou. Ela precisava ganhar tempo.
João estava vindo. E precisava chegar antes que o sistema de indução fosse ativado.
—
Enquanto caminhava, João passou por portas de vidro com marcas de sangue.
Lembranças pulsavam em flashes:
Crianças sendo levadas de salas diferentes.
Um médico dizendo: “Esse não resistiu.”
Uma mulher gritando o nome dele do outro lado de um vidro.
— “João!”
A voz ecoou em sua mente como uma lâmina atravessando o tempo.
Ele parou. Olhou para o reflexo no vidro.
E pela primeira vez… se viu como era aos 7 anos.
Magro. Olhos fundos. O rosto sujo de sangue e lágrimas.
— Quem você é? — ele perguntou ao reflexo.
A criança respondeu com um sussurro:
— Eu sou o que sobrou.
—
No núcleo da base, o pai o observava pelas câmeras.
— Está ativando. A memória está reconstituída. Ele vai quebrar.
— Ou despertar. — Natasha rebateu.
— Isso é o que vocês nunca entenderam — o homem respondeu, se virando para ela. — As emoções são o veneno da humanidade.
João não pode vencer se continuar a se importar.
—
No centro da base, João entrou na sala branca.
Silêncio.
Até que a cadeira no canto se iluminou.
E na parede, uma voz artificial começou a repetir:
“Elemento 08 – reinicialização psíquica iniciada. Apagar trauma.”
Ele gritou. As mãos na cabeça. A dor era insuportável.
Vozes gritavam.
Luzes piscavam.
A criança dentro dele gritava de novo.
Mas então… algo mudou.
O reflexo no vidro começou a rachar.
E por entre as rachaduras, o rosto adulto de João apareceu — com os olhos brilhando num tom dourado.
— Chega.
A voz não era só dele.
Era a criança.
Era o homem.
Era tudo o que ele sempre foi tentando sobreviver ao que tentaram fazer dele.
Ele levantou.
As máquinas fritaram. O sistema piscou.
Erro crítico. Sistema neural em sobrecarga.
Ele andou até o painel e enfiou a mão. Sentiu o calor queimar.
Mas não parou.
A sala branca tremeu.
E do outro lado do complexo, o pai dele soube.
— Ele... despertou.
—
João saiu da sala sangrando pelas mãos, os olhos brilhando, o corpo emanando uma energia invisível que fazia as luzes apagarem ao seu redor.
Natasha apareceu no corredor, ofegante, suada, com o rosto sujo de fuligem.
— Você tá bem?
— Não. — ele disse.
— Mas tô acordado agora.
Ela o abraçou. Forte. Ele tremeu nos braços dela. Não de medo. Mas porque o peso da própria história finalmente tinha caído sobre ele.
— Eles vão vir com tudo agora, João.
— Então que venham.
Ele olhou pra frente.
— Eu sou o arquivo que eles não conseguiram apagar.
—
No fundo da base, Elías observava as câmeras piscando.
Sorria.
— Missão cumprida, garoto.
A luz ao redor dele começou a falhar.
E atrás dele, passos ecoavam.