O esconderijo não era mais esconderijo.
Era base. Era acampamento. Era lar provisório de uma ideia que, sem ninguém perceber, tinha virado uma revolução.
As Sombras Vivas deixaram de ser um boato.
Agora, eram palavra proibida nos noticiários, nome que fazia generais coçarem a cabeça e governantes pressionarem botões vermelhos com medo do que não conseguiam ver.
Mas ali dentro, tudo ainda era improvisado. Estrutura de ferro, colchão no chão, e paredes feitas com placas de ferro batido. A revolução ainda dormia no frio.
João Smith andava pelos corredores como um homem entre dois mundos. Era visto como mito, símbolo, líder. Mas ele mesmo ainda se via como... sobrevivente.
— Eles tão treinando forte — disse Marina, observando os jovens despertos no pátio.
João não respondeu de imediato.
Assistia um menino de doze anos criar ondas sonoras com o som da própria respiração. Não era bonito. Era desesperador. O menino tremia. Não queria fazer aquilo. Era só um garoto tentando sobreviver a um dom que não pediu pra ter.
— A gente ainda não tá pronto — João murmurou. — E eles sabem.
Natasha entrou com passos firmes e um tablet nas mãos.
— Temos informações sobre campos de contenção ativos na Espanha, Argélia e México. O Véu tá instalando torres que projetam silêncio neural em áreas urbanas. Já começaram a detectar nossos sinais psíquicos até quando a gente sonha.
João pegou o tablet. Olhou os mapas. Fechou a mão com força.
— Eles tão tentando calar até o subconsciente.
Marina cruzou os braços, com olhar sério.
— E o que a gente vai fazer?
Ele encarou os dois. Respirou fundo.
— A gente vai mostrar que não se cala o que nasceu pra gritar.
Naquela noite, ele subiu em cima de um caminhão no centro do acampamento.
O gerador antigo chiava. O microfone falhava. Mas ele não precisava de perfeição.
Precisava de verdade.
> — Me chamam de arma. De erro. De ameaça. E tudo isso pode até ser verdade... mas não sou o único.
Somos milhares.
Milhares de pessoas que só querem viver.
Que não pediram pra serem rasgadas por dentro, usadas, moldadas.
Se ser livre é ser ameaça, então que sejamos o maior erro da história.
Vamos fazer barulho. Vamos ser a rachadura no sistema.
A partir de hoje, não corremos mais.
A partir de hoje, resistimos.
O acampamento explodiu em gritos.
Não de guerra.
De esperança.
Pela primeira vez em muito tempo… eles se sentiram vivos.
João desceu do caminhão.
No olhar dele havia dor, mas também… decisão.
E na borda da floresta que cercava o acampamento, uma sombra observava.
Não era humana.
Nem máquina.
Era o passado… de volta pra cobrar.