A espiral na palma de Lua pulsava em vermelho vivo, como se o próprio sangue dela reagisse à vibração das palavras de João. Um calor percorreu seu braço, subindo até o ombro, como se o símbolo soubesse que aquela era a hora.
As pessoas ao redor sentiram.
Um calafrio coletivo atravessou o acampamento, mas não de medo. Era algo ancestral. Como se o tempo, por um instante, parasse para ouvir.
João desceu da caixa. Seus olhos cruzaram com os de Lua, e ela apenas assentiu. Sem uma palavra, ela ergueu a mão espiralada para o céu, e o vento soprou com mais força.
— É hoje. — disse ela. — Hoje nós deixamos de ser sobreviventes.
Do meio da multidão, Helena avançou, agora com os cabelos presos e as marcas de batalha no rosto. Ela caminhou até João, com algo envolto em um pano negro. Ao abrir, revelou-se uma bandeira — metade vermelha, metade cinza, com o símbolo da espiral no centro.
— Estava guardada… esperando o momento certo. — sussurrou ela.
João pegou a bandeira com as duas mãos. A multidão se calou.
Ele a ergueu.
— Esta é nossa voz. Este é nosso fogo. E este é o começo.
Gritos voltaram a ecoar. Mas não eram mais de dor, ou lamento. Eram gritos de identidade. De ruptura. De guerra santa contra a mentira.
Alguns queimaram seus documentos. Outros enterraram suas armas antigas. As crianças desenhavam espirais na terra com gravetos, e até os mais velhos, calejados por anos de silêncio, cantavam em coro.
> — “Somos a chama. Somos o fim da sombra.”
Naquela manhã, uma fogueira foi acesa no coração do acampamento. Uma de verdade — mas também simbólica.
E nela, jogaram o que restava do velho mundo.
Enquanto as chamas subiam, João olhou para o céu nublado e murmurou para si mesmo:
— Que venha o que tiver que vir. Agora… nós temos um nome.
E não vamos mais nos esconder.