Capítulo 2

Penumbra

O mundo ao seu redor girou por um instante, distorcendo-se em uma explosão de luz antes de finalmente se estabilizar. Leon piscou algumas vezes, ajustando-se ao novo ambiente.

Londres.

O Big Ben erguia-se imponente à sua frente, mas já não era apenas um símbolo histórico — havia se tornado uma fortaleza. Torres de vigilância se alinhavam ao redor do edifício, protegendo seus arredores com sensores e barreiras energéticas. Drones voavam sobre o céu em patrulhas silenciosas, e caçadores fortemente armados circulavam ao redor.

O céu acima era um manto de nuvens pesadas, uma cortina cinzenta que abafava qualquer vestígio de luz solar. O ar era frio, um contraste gritante com o calor sufocante do deserto de onde Leon havia acabado de sair. Seu corpo ainda carregava o resquício da mudança brusca de ambiente, como se sua pele não soubesse ao certo se deveria tremer de frio ou suar de calor.

Ao seu redor, outras pessoas emergiam do portal, algumas movendo-se com pressa, outras formando pequenos grupos, trocando palavras em tons baixos.

Os vigilantes da fortaleza.

Postados em pontos estratégicos, observando cada recém-chegado com olhos afiados, os caçadores que protegiam a área não eram meros soldados. Havia algo na maneira como permaneciam imóveis, sem demonstrar um pingo de hesitação. Guerreiros experientes, cada um deles irradiando um tipo de presença que tornava o ar mais pesado ao seu redor.

Leon sentiu um arrepio involuntário. Não era medo—era algo diferente. Um reconhecimento silencioso da diferença de poder.

"Eles são de outro nível."

Por um instante, seu olhar cruzou com o de um dos caçadores. Um homem alto, usando um longo casaco preto sobre a armadura leve. Ele não disse nada, apenas observou Leon com um olhar analítico, como se já soubesse tudo sobre ele antes mesmo de abrir a boca.

Por mais que aquela visão despertasse algo nele, sua prioridade era clara.

"Preciso descansar."

Seu corpo ainda estava exausto do que havia acontecido dentro da fenda. O peso da viagem e da mudança repentina de ambiente. Ele precisava de um momento para processar tudo. Para respirar.

Leon se virou e caminhou em direção ao ponto de táxi mais próximo. Alguns olhares recaíam sobre ele, especialmente dos caçadores que pareciam catalogar cada movimento dos recém-chegados. Mas ele os ignorou, mantendo o foco à frente.

Ao se aproximar da fila de táxis, exalou um suspiro discreto.

"Só preciso chegar em casa. O restante do teste pode esperar até amanhã."

Assim que entrou no táxi, Leon soltou um suspiro e recostou-se no assento. Ele passou o endereço ao motorista com um tom neutro, sem vontade de puxar conversa.

O veículo deslizou pelas ruas de Londres, atravessando avenidas iluminadas por letreiros digitais e fachadas. Caçadores podiam ser vistos patrulhando alguns pontos estratégicos, suas presenças tão naturais ali quanto os postes de luz.

A cidade era diferente do que ele lembrava. Ou talvez fosse ele quem estivesse diferente.

Por um instante, sua mente vacilou, os acontecimentos recentes se sobrepondo em sua memória. A fissura. A sombra. A espada em suas mãos.

Ele fechou os olhos, sentindo o cansaço pesar sobre seu corpo.

"É real. Tudo isso é real."

Por mais que sua mente tentasse processar aquilo, a exaustão era mais forte. O balanço suave do carro e o ruído distante da cidade pareciam embalá-lo, e, mesmo que apenas por um momento, ele permitiu-se relaxar.

A escuridão ao redor parecia infinita. No meio dela, um cavaleiro se erguia, envolto em uma armadura dourada que brilhava como um sol apagado. A lâmina em suas mãos irradiava uma presença esmagadora, como se estivesse à espera de algo—ou de alguém.

Uma voz familiar ecoou:

"Leon, por favor, filho, aguente... Por mim, nós voltaremos."

Leon tentou se mover, mas seu corpo não respondia. Apenas observava, imerso em um silêncio pesado, até que a figura começou a virar-se em sua direção. Então...

Ele acordou.

O táxi já estava diminuindo a velocidade, e pela janela ele viu as ruas cinzentas de Londres passando lentamente. Seu peito subia e descia de maneira irregular, enquanto tentava afastar a sensação incômoda daquele sonho. Ou visão.

Esfregando o rosto, Leon soltou um longo suspiro e pagou a corrida antes de sair do carro. O ar frio da cidade o recebeu, dissipando parte do cansaço.

Diante dele estava seu novo apartamento—pequeno, simples, mas pelo menos era só dele. Havia chegado a Londres há pouco tempo e ainda não tinha se acostumado completamente com a cidade, mas precisava começar de algum lugar.

Assim que entrou, trancou a porta e jogou as chaves na bancada da cozinha. O lugar ainda tinha o cheiro de tinta fresca, e algumas caixas espalhadas pelo chão deixavam claro que ele mal havia tido tempo de desempacotar suas coisas. O espaço era minimalista:um quarto com apenas uma cama, um banheiro, uma mesa de jantar pequena e a cozinha acoplada à sala. Sem decorações, sem nada que realmente desse personalidade ao lugar. Apenas paredes brancas e móveis funcionais.

Leon se jogou no sofá.

"Minha mãe, A sombra. O cavaleiro dourado…"

Fechou os olhos por um momento, tentando ignorar a inquietação que ainda vibrava em seu peito. Mas, por enquanto, nada disso importava.

Agora, ele só queria descansar.

"Espero que eu não morra dormindo por conta dessas feridas."

Leon soltou uma risada fraca, quase como se quisesse convencer a si mesmo de que aquilo era uma piada.

Mas agora, não havia mais o que fazer. A escuridão o envolveu em silêncio.

16:52 - Associação de Caçadores de Londres

Leon se viu diante da Associação de Caçadores. O prédio era colossal, erguido em mármore polido que refletia a luz.

Ele permaneceu ali por um instante, analisando a estrutura imponente. Ali dentro, seu destino como caçador seria oficialmente selado. Era um passo inevitável, mas a sensação de estar prestes a cruzar aquelas portas pesava mais do que ele esperava.

— Bom... é agora ou nunca — murmurou para si mesmo, ajustando a postura antes de finalmente avançar.

Leon subiu as escadas e atravessou a entrada do prédio, revelando o interior da Associação de Caçadores. O ambiente era vasto, com tetos altíssimos e paredes adornadas por gravuras antigas que pareciam contar histórias de batalhas passadas e feitos heroicos.

Ele caminhou até a recepção, onde uma longa fila se estendia diante de um balcão de mármore negro. Diversas pessoas aguardavam em silêncio.

Ele se posicionou no final da fila, tentando não demonstrar a inquietação que crescia dentro de si. Pensava sobre o que aconteceria a seguir.

Leon observou a troca de palavras com um leve interesse. O rapaz a sua frente estava visivelmente irritado, e seus murmúrios não passavam despercebidos. Ele bufou novamente, olhando impaciente para a fila, os dedos batendo ritmicamente contra a barra de sua jaqueta.

— Isso está demorando uma eternidade… — ele resmungou, a frustração evidente na sua voz. — Por que não usam logo um detector rápido?

A garota a frente, aparentemente mais tranquila, não demorou a responder.

— O teste precisa ser preciso. Se fosse só medir o poder bruto, qualquer um poderia ser classificado de forma errada.

— Você gostaria de ser classificado errado?

A resposta, clara e direta, pareceu causar um breve silêncio. O rapaz, ainda com o rosto fechado, pareceu ponderar as palavras, mas não respondeu a pergunta. Leon sentiu uma pontada de curiosidade ao observar os dois.

Quando Leon finalmente se aproximou do balcão, uma atendente o olhou brevemente, seu rosto impassível e focado. Ela estava imersa no terminal holográfico à sua frente, com os dedos ágeis digitando sem parar. A atendente levantou a cabeça apenas o suficiente para encarar a tela, sem dar qualquer sinal de curiosidade ou simpatia.

— Nome? — Sua voz era monótona, sem nenhum traço de interesse.

— Leon Vance — respondeu ele, tentando não parecer desconfortável com a frieza da situação.

Após um momento, ela fez um gesto vago com a mão, apontando para o corredor à esquerda sem dar mais explicações.

— Seu nome está registrado. Siga até a sala de avaliação e aguarde. Um avaliador logo estará com você. Boa sorte.

Leon sentiu uma leve frustração. "Boa sorte?" Ele queria rir de nervoso. Não precisava de sorte, precisava de clareza, de confiança. Mas sem dar mais atenção ao comentário seco da atendente, ele seguiu pelo corredor. À medida que se afastava, não pôde deixar de pensar: "Esses recepcionistas podiam pelo menos tentar ser mais amigáveis. Um pouco de simpatia ajudaria a passar mais confiança."

Leon deu um passo para dentro da sala, sentindo uma leve pressão no ar. O silêncio ali dentro era quase absoluto, quebrado apenas pelo sutil zumbido dos cristais que flutuavam ao redor do círculo arcano. Ele observou o brilho azul dançando sobre as paredes de pedra escura, criando sombras que pareciam se mover de forma quase consciente.

Que tipo de tecnologia ou magia mantém isso funcionando? — ele se perguntou, sentindo uma quantidade de Espírito forte no ambiente. Mesmo sem entender completamente os símbolos gravados no chão, seu instinto lhe dizia que aquilo não era apenas decoração. Havia algo naquela sala, algo que esperava por ele.

Um clique metálico soou atrás dele quando a porta se fechou automaticamente. Antes que pudesse reagir, uma voz ressoou no ambiente, grave e precisa:

— Leon Vance, aguarde no centro do círculo. A avaliação começará em instantes.

Leon franziu o cenho. A voz não vinha de nenhuma direção específica, mas parecia vibrar diretamente em sua mente. Seu olhar se fixou no círculo arcano, e ele respirou fundo antes de dar o primeiro passo em direção a ele.

Ao cruzar a borda do símbolo, um arrepio percorreu seu corpo, como se uma corrente elétrica passasse por sua pele. De repente, os cristais ao redor começaram a pulsar e voar em um ritmo sincronizado, e os símbolos no chão brilharam intensamente.

— A segunda parte do teste começará — anunciou a voz novamente. — Apenas espere dentro do círculo.

— Vamos ver do que eu sou capaz… — murmurou para si mesmo, enquanto o brilho ao seu redor se intensificava.

— Iniciando escaneamento de assinatura espiritual. Concentração de Essência… instável. Fonte de origem: indeterminada. Classificação preliminar: não aplicável.

Era como se uma força invisível e insondável sondasse cada partícula de sua existência, despindo sua alma de qualquer segredo, perscrutando suas intenções mais ocultas e pesando seu verdadeiro valor.

O brilho ao redor de Leon cresceu, intenso e avassalador. Os cristais flutuantes tremularam no ar, ressoando com uma luz etérea. No chão, os símbolos arcanos pulsavam em um ritmo frenético, como um coração prestes a explodir. A atmosfera se tornava sufocante, carregada com uma energia bruta que distorcia o próprio ar.

— Detectada manifestação de Eco não catalogado. Entidade desconhecida. Nível de vínculo: incompleto. Intensidade: crítica.

Então, de súbito, tudo cessou.

O brilho desvaneceu, os símbolos se acalmaram e um silêncio se instalou na sala.

Sem aviso, um brilho espectral percorreu os cristais flutuantes. Os símbolos no chão brilharam uma última vez antes de se rearranjarem, formando uma nova configuração.

— Erro no protocolo de medição. Força espiritual excede os parâmetros do Rank Umbra. Classificação oficial: Umbra... com anomalia não resolvida. Encaminhando dados para análise superior.

Por um instante, ele acreditou ter ouvido errado. Seu cérebro tentou processar as palavras, mas a única resposta que encontrou foi o próprio reflexo confuso nos cristais flutuantes ao seu redor.

— O quê? — A palavra escapou de seus lábios antes que pudesse conter. Uma mistura de perplexidade e inquietação tomando conta de sua mente.

A voz retornou:

— Leon Vance, houve uma inconsistência na segunda parte do teste.

Leon ficou parado, tentando processar as palavras. A surpresa misturou-se com uma crescente frustração. Ele franziu a testa, incapaz de entender.

— Inconsistência? — repetiu, quase sem acreditar no que estava ouvindo.

— Uma falha técnica. O procedimento não foi concluído corretamente. Por favor, aguarde na recepção. Você será chamado assim que possível para completar a avaliação.

18:07 - Recepção

— Leon Vance, me siga.

A voz era firme, interrompendo os pensamentos de Leon. Ele ergueu a cabeça, reconhecendo a autoridade na voz. Se levantou de onde estava sentado e caminhou até a sala indicada.

Leon parou diante da porta de metal, seu olhar fixo no símbolo da Associação de Caçadores gravado nela. Era um emblema imponente, carregado de significado.

A mulher ao seu lado apertou um botão no painel, e a porta se abriu com um suave clic.

Ao entrar, uma onda de tensão cresceu à medida que os olhos de um dos dois presentes se voltou para ele.

Dentro do escritório, o ambiente era luxuoso, mas não acolhedor. O homem, sentado em uma cadeira central, exalava autoridade. Sua postura era rígida, e o olhar que lhe dirigiu foi tão incisivo capaz de colocar pressão em qualquer um. Ele não disse nada por um momento, apenas o observava com atenção.

A mulher, ao contrário, estava parada perto da janela, olhando para a cidade abaixo. A vista era espetacular, mas sua expressão distante e séria indicava que ela estava mais interessada na paisagem do que em qualquer coisa.

A atmosfera era pesada. Leon sabia que estava diante de algo importante.

Leon respirou fundo, tentando não deixar que a ansiedade transparecesse. Seus olhos se fixaram no homem que estava à sua frente, aguardando uma explicação.

— Pensei que só iria refazer o teste.— disse Leon, sua voz cheia de confusão, enquanto tentava entender o que estava acontecendo.

O homem na cadeira central se inclinou ligeiramente para frente, ajustando os óculos com um gesto impessoal. Seus olhos, intensos e calculistas, focaram em Leon.

— Prazer Leon Vance, sou William Rochester, responsável pela divisão de monitoramento da Associação. — Ele apontou para uma das cadeiras vazias— - Por favor, sente-se.

Leon sentou na cadeira tentando entender o que aquilo significava.

— Sua situação é… peculiar. — Sua voz era firme, mas havia um tom de curiosidade. — Nossos equipamentos confirmaram que você foi classificado como Rank Celestia, o mais alto entre os caçadores. No entanto… — Ele pausou, voltando o olhar diretamente para Leon. — Sua força real está no nível Umbra.

Leon franziu a testa, a informação soando cada vez mais estranha à medida que ele ouvia. "Rank Celestia" e "Rank Umbra" pareciam palavras vazias até aquele momento, conceitos distantes. Mas agora, essas palavras estavam sendo usadas para descrevê-lo, e isso o deixava inquieto.

— Ou seja, há uma discrepância — continuou William, a calma em sua voz contrastando com a turbulência que crescia na mente de Leon. — Seu poder bruto, que foi medido, é de um rank Umbra, mas o sistema, por algum motivo, está te classificando como Celestia.

A mulher que estava ao lado da janela, até então em silêncio, virou-se ligeiramente, lançando um olhar curioso em Leon. Ela não parecia surpresa, mas seu olhar era, de certa forma, ponderado.

— De uma forma mais fácil, como se seu Eco estivesse te limitando.

Leon engoliu em seco, o mistério se aprofundando ainda mais. Seu cérebro tentava processar a informação

— Isso é muita coisa de uma vez.

William se reclinou na cadeira, os olhos fixos em Leon.

— Desde o início dos despertares, nunca houve um caso como o seu aqui na Inglaterra — disse ele, sua voz fria. — Em todo o mundo, foram registrados cerca de 19 casos semelhantes ao seu. Jovens que, assim como você, mostraram um potencial aparentemente incompatível com o seu rank. A mídia, é claro, trouxe esses casos à tona, mas até hoje, ninguém conseguiu identificar a verdadeira causa desse fenômeno.

Ele fez uma pausa, observando Leon com um olhar que era ao mesmo tempo investigativo e cauteloso.

— No entanto, você é o primeiro caso registrado de um Rank Celestia que enfrenta essa... limitação. Isso torna sua situação não apenas rara, mas também excepcional. E, por mais estranho que pareça, isso torna você um caso ainda mais intrigante.

Leon ainda tentava entender o peso daquilo tudo, a implicação de ser um caso único, mas as palavras de William ecoavam em sua mente. “Primeiro caso registrado de um Rank Celestia que enfrenta essa limitação.” O que queriam dizer com “limitação”? Como algo assim acontecia?

A mulher ao fundo, que havia permanecido quieta até aquele momento, observava Leon com um olhar que parecia medir cada reação sua. Ela não parecia preocupada, mas sua atenção estava inegavelmente voltada para ele.

— Então, o que acontece agora? — Leon perguntou, sua voz tensa, sem saber se queria ouvir mais respostas.

William cruzou os braços, pensativo.

— Decidi...

A mulher cortou william, sua voz baixa e direta:

— Iremos monitorá-lo de perto. Até que tenhamos uma explicação mais clara, a prioridade será estudar suas reações, os padrões de seu poder e a relação entre seu rank e a manifestação do Eco. Chegamos a um consenso de que, por enquanto, seu rank se manterá como Umbra.

William então se inclinou para frente, quebrando o silêncio que se seguiu à resposta de Eleanor. Ele olhou para Leon, como se aguardasse que o jovem absorvesse o que estava acontecendo.

— Essa é Eleanor — disse William, apontando para a mulher que estava em pé perto da janela, ainda observando a cidade lá fora. — Ela é uma das principais responsáveis pelo seu caso. Vai ser a pessoa que vai acompanhá-lo e ajudá-lo no que for necessário.

Leon lançou um olhar para Eleanor, tentando captar algum traço de emoção em seu rosto. Ela parecia concentrada, mas não em um tom frio, mais como alguém que estava profundamente focada na situação. Ele respirou fundo, tentando entender melhor o que estava acontecendo.

— Então… já houve pessoas que conseguiram quebrar essa limitação? — Leon perguntou, sua voz baixa.

Eleanor se virou lentamente, os olhos fixos em Leon, seu tom de voz sem rodeios, mas suave.

— Nossa equipe de especialistas está investigando esse fenômeno. Dos 19 casos conhecidos, 7 caçadores conseguiram, com o tempo, acessar todo o seu poder. Mas não foi fácil. Eles precisaram de tempo, paciência... E, acima de tudo, compreensão. Torça para que você seja o oitavo.

Aquela informação lhe deu um fio de esperança, mas também o lembrou de como tudo o que ele conhecia sobre si mesmo estava em cheque agora. O que ele sabia sobre seus próprios poderes, suas limitações, seus objetivos... nada fazia mais sentido. Mas ele sabia que teria que tentar.

William, como se antecipando aos pensamentos de Leon, sorriu ligeiramente e se levantou de sua cadeira, estendendo a mão.

— Parabéns, Leon. Você agora é oficialmente um caçador. Estamos contando com você.

Ele deu um aperto de mão firme, mas não demorou muito, antes de finalmente concluir:

— Você esta liberado. Iremos te avisar caso surja qualquer novidade.— William indicou a porta com um gesto.

Leon olhou para Eleanor. Ele sabia que ela era uma pessoa importante nesse processo. A partir dali, seria ela quem o guiaria, e a sua esperança estava nas mãos dela, assim como o mistério de sua condição.

Com um último olhar para William, Leon se virou e caminhou até a porta. Ele sentia o peso de tudo o que tinha ouvido, mas também uma chama acesa em seu peito. O futuro, agora, estava incerto, mas ele não podia desistir.

Leon saiu pelas portas da Associação, e o frio o acertou de cheio.

O vento gelado bateu em seu rosto, e ele puxou o capuz. A cidade seguia indiferente, envolta em névoa. Ele parou na calçada por um instante, respirando fundo.

"Melhor eu ir beber algo"

Leon apertou os punhos nos bolsos e desceu os degraus sem olhar para trás.

18:37 - Redford's

O letreiro de neon vermelho estava parcialmente apagado, mas ainda brilhava o suficiente pra dizer que o lugar estava aberto. “Redford’s” era um bar de esquina que parecia ter nascido junto com o bairro.

Leon empurrou a porta com a palma da mão. Um sininho tocou acima da entrada. O som abafado da chuva do lado de fora ficou para trás. O interior era morno, com mesas redondas e cadeiras gastas. O balcão tinha algumas lascas nos cantos, mas o verniz ainda brilhava sob a luz âmbar das luminárias penduradas.

Sem dizer uma palavra, ele foi direto ao balcão e sentou-se num dos bancos altos, pendurando o casaco molhado no encosto. O barman, um sujeito de camisa cinza com as mangas arregaçadas e cabelos amarrados num pequeno coque, limpava um copo.

— Vai querer o quê? — perguntou, sem rodeios.

— Um copo com cerveja.

O barman assentiu e serviu. Leon observou o líquido antes de levá-lo à boca.

Atrás dele, risadas abafadas, conversa de um grupo no fundo. Uma mulher jogava dardos sozinha, e um homem roncava discretamente sobre a mesa mais próxima da jukebox.

— Você tem cara de quem descobriu que seu Eco é um contador de impostos — resmungou uma voz à esquerda.

Leon ergueu os olhos. O homem era grande, devia estar nos cinquenta, com uma barba grisalha, camisa social aberta até o terceiro botão e uma cicatriz que atravessava o pescoço como uma vírgula. Um colar de identificação militar balançava em seu peito.

— Meu nome é Bram. Bram Callahan. Caçador há tempo demais. Você é novo aqui, né?

Leon o olhou com desconfiança.

— Sim.

— Eu leio meu instinto. E o seu tá gritando “perdi uma discussão com uma porta giratória” — ele deu um tapa no balcão e riu alto, satisfeito com a própria piada. Depois estalou os dedos, chamou o garçom com um gesto e disse: — Um copo do mesmo de sempre.

Leon soltou uma risada curta, pegando Bram de surpresa por um instante.

— Tá vendo? Você até sabe rir. Isso já te coloca dois degraus acima da média dos caçadores que eu conheço — disse Bram, inclinando-se. — A maioria só sabe grunhir e encarar o copo como se ele fosse resolver os traumas.

— Você conheceu muitos? — Leon perguntou, curioso.

— Sim, já conheci muitos caçadores, principalmente novatos. Alguns deles pareciam com você, garoto. A maioria quebra. Os que não quebram viram lendas — Bram disse, sério por um instante. — Mas todos pagam o preço, inclusive aqueles que não escolheram brilhar.

Leon deu mais um gole no copo, sentindo o amargor da bebida descendo pela garganta. Ele olhou para Bram antes de perguntar.

— E você? Pagou?

— Claro que paguei. Olha pra mim. Tenho três ex-esposas, um fígado meia-boca e um Eco que só funciona se eu estiver de mau humor. O maldito é um general romano que me chama de "moleque" toda vez que tento dormir — ele sorriu com amargura. — Mas ainda tô aqui.

O garçom chegou com um copo de cerveja, a espuma ainda fresca no topo.

— Você é famoso por aqui? — Leon perguntou, de repente.

— Eu sou famoso no banheiro. Alguém rabiscou "Bram bebe de graça" na porta. — Ele apontou com o garfo. — Isso é legado, garoto. Legado real.

Leon deu mais uma risada.

— Você tem tempo, garoto — disse Bram, olhando pela janela. — Só tenta não explodir antes de descobrir quem você realmente é. A Associação adora colocar rótulo em gente que ainda não nasceu por completo.

Leon pensou por um instante antes de falar:

— É de se esperar.

Bram terminou o copo, limpou a boca com o braço e se levantou.

— Se precisar de um velho mal-humorado com experiência e uma dívida no bar do sul de Brixton, me procura. Eu cobro pouco. E às vezes dou conselhos de graça.

— Já vai embora?

— Chegou o momento desse velho ir embora — disse Bram, com um grunhido de dor nas costas. — É a hora dos mais novos se divertirem… e, bom, tem uma pessoa ali que parece bem interessada.

Ele apontou com o queixo discretamente para o fim do balcão, depois virou-se, pegou o próprio casaco e gritou para o atendente:

— Coloca na conta da casa, como sempre!

Sem esperar resposta, desapareceu entre as mesas com seu andar folgado.

Leon balançou a cabeça, quase rindo, e então notou a garota que Bram havia indicado discretamente. Ela se aproximou com um copo na mão, olhos curiosos e um sorriso leve no rosto.

— O velho te deixou sozinho ou foi estratégia?

— Acho que foi estratégia. — respondeu Leon.

— Bom, sorte a minha. — Ela se sentou ao lado dele. — Você parece ter histórias mais interessantes do que esse balcão triste.

— Às vezes, não tenho história nenhuma.

— Vamos descobrir... — disse ela, apoiando o cotovelo no balcão e se inclinando um pouco mais, como se já estivesse pronta para ouvir.