Teologia da Ira

Contei 11 segundos. Onze segundos de silêncio e olhares desconfortáveis.

Tenho uma certa fama de falador, mas sei quando é hora de manter a boca fechada

e esperar. Acho que as crianças pensavam da mesma forma. Quer dizer, Karen já

era do tipo quieta, mas o pivete irritante... Seu silêncio soou como música.

Enfim, após esses longos 11 segundos, o gigante Frontez finalmente falou.

— Quem é você? — perguntou, seco, encarando minha alma através dos meus

olhos.

Levantei-me lentamente, sem gestos bruscos, e estendi minha mão em sua

direção.

— Detetive Dude. Fui chamado para investigar o caso da morte de sua esposa.

Ele franziu a testa, como se engolisse uma pedra. Ignorou minha mão

magricela como se eu estivesse falando com outra pessoa. Olhou para Karen, que

se encolheu no sofá; em seguida, para Kenny, que apenas cruzou os braços e virou

o rosto, como se negasse qualquer culpa que tivesse na situação. E então mirou os

olhos em mim de novo.

— Você foi chamado? — questionou, me fitando de cima a baixo.

— Sim. Por seus filhos. — respondi, enfiando minha pobre mão ignorada no

bolso do casaco.

— Sem me consultar? — falou mais para si do que para mim. Depois

balançou a cabeça, frustrado. — Isso aqui é um absurdo.

— Bom, eu diria "dor". E dor mal explicada vira medo. Seus filhos estão com

medo.

— Eu sei o que eles sentem. Eles perderam a mãe. Eu perdi minha

mulher.

Ele passou a mão pelo rosto, irritado, mas parecia conter a raiva a duras

penas.

— Não quero ninguém revirando nossa vida. Já basta o que passamos. Esta casa

já sofreu demais.

— Mas ainda pode haver respostas. E respostas são o primeiro passo para parar

de sofrer.

Ele me encarou com olhos fundos, como se tentasse encontrar um motivo para me

expulsar ali mesmo. Depois falou, com amargura:

— Acha que vai encontrar o quê? Impressões digitais do diabo?

— Não tenho tanta ambição. Um motivo já seria um bom começo.

Silêncio. As crianças não ousavam respirar. Juan andou pela sala como um

leão cansado da jaula. Por fim, questionou, voltando-se às crianças:

— De quem foi essa ideia?

Karen levantou a mão devagar, como uma aluna tímida respondendo à pergunta

de um professor rabugento.

Juan olhou para Karen, surpreso. Com toda certeza, não esperava aquilo da garota.

Então apenas balançou a cabeça, decepcionado, e olhou para Kenny.

— Você tem parte nisso, não tem?

Kenny levantou os braços como um ladrão sendo pego no flagra.

— Calma aí! Eu sou a vítima aqui! Ela que me perturbou com essa história de

detetive. Por mim, eu já tava resolvendo isso com meus próprios métodos.

Juan revirou os olhos e voltou a me encarar, franzindo a testa.

— Senta aí.

Obedeci. Ele também se sentou, mas na beira da poltrona, como se quisesse sair

a qualquer momento. Respirou fundo e então falou:

— Miriam e eu nos casamos jovens — começou, com a voz rouca. — Quase dezesseis

anos juntos. Ela era o tipo de mulher que fazia o mundo parecer mais leve...

até aquele dia.

— Você estava com ela?

— Sim... quer dizer, não. Eu estava na cozinha. Ela, no quintal, comendo um lanche.

Ela costumava comer um pão com leite condensado depois da janta. Quando olhei

pela janela, ela se curvava, como se algo tivesse tomado conta do corpo dela.

Gritava em pânico. Corri para ajudar. Então o fogo veio, do nada, como

se estivesse queimando de dentro para fora. Peguei a mangueira. Mas... a água não

fazia nada. Nada. Só piorava. Parecia fogo vivo. Fogo com vontade própria.

Ele esfregou as mãos com força, como se tentasse apagar a lembrança.

— Quando os bombeiros chegaram, ela já era cinza e fumaça.

— E você acha que isso foi...?

— Um castigo — interrompeu. — Sim. Um castigo divino. E eu vou ser o

próximo.

— Castigo por quê?

Ele hesitou.

— Não sei. Mas todo mundo carrega algo. Um pecado, mesmo que pequeno, ainda

é pecado. E Ele... Ele sempre cobra.

— Mas por que justamente ela?

Juan olhou para o chão.

— Deus age de forma misteriosa.

O encarei por um momento. Ele ficou quieto, diminuiu. Olhei para as

crianças. Estavam com uma feição triste e olhar distante, ao mesmo tempo que

pareciam incomodadas com a conversa. Aproveitei para fazer algumas anotações e,

em seguida, mudei de assunto.

— E Sina Bastien?

O nome causou uma reação visível. Juan se remexeu, olhou para a janela.

— Mal a conhecia. Vi duas ou três vezes. Sempre com aquela expressão

estranha... como se soubesse de algo que os outros não sabem. Veio pra cidade

há pouco. Era como uma sombra no sol do meio-dia.

— E no dia da morte dela?

— Eu... tava fazendo minha corrida. Parque Central. Toda manhã corro lá. Há

anos.

Assenti, sem confrontar. Deixei o silêncio trabalhar.

— E você é pastor, certo?

Ele cerrou os olhos.

— Era.

— Por que deixou a igreja?

— Porque não dá pra seguir pregando perdão quando você assiste sua mulher

ser queimada viva por um Deus que você ensinou a amar.

Ele disse isso sem elevar a voz, mas foi como um soco. Respirei fundo.

— Talvez isso não seja o fim da sua fé. Só... uma pausa.

Juan riu, mas sem humor.

— Você fala como um crente envergonhado.

— Falo como alguém que já foi chutado pela vida também. E que aprendeu que

respostas são mais úteis que rezas quando a casa pega fogo.

Ele se calou. Depois suspirou pesadamente, enquanto se levantava.

— Vasculhe a casa. Se acha que vai encontrar algo... que encontre logo.

— Obrigado.

— Mas saiba que eu não gosto disso. Não gosto de você aqui. E, se incomodar

meus filhos, eu mesmo ponho você para fora.

---

Passei o resto do dia explorando a casa. Comecei na suposta cena do crime,

um quintal amplo e bem aberto, rodeado por um jardim muito bem cuidado. Não

havia mais nenhum indício da trágica cena que havia ocorrido ali. Desencanei e

parti para o interior da casa. Cada cômodo gigante era um suspiro contido. Nada

chamava atenção — até o porão.

Frio. Úmido. Um lugar onde a luz hesitava.

Revirei tudo que pude: bati em paredes, abri caixas, conferi documentos, até

que encontrei uma tábua solta num canto do chão. Sob ela, uma caixa metálica.

Abri e... surpresa! Cocaína. Maconha. Antidepressivos. Velharias pessoais. Uma

bíblia. Um passado escondido — ou negado.

— Caralho! — exclamei em voz baixa. Mesmo assim, acho que Juan conseguiu me ouvir,

como se já estivesse me observando.

— Encontrou?

A voz de Juan me alcançou antes que ele o fizesse. Desceu as escadas

rapidamente. Parou ao ver a caixa aberta.

— Isso é seu? — perguntei, erguendo o olhar.

— Claro que não! Eu nunca toquei nisso!

— Acho bem improvável ser de alguma das crianças. E de algum empregado?

— De forma alguma! Conheço Matias e Nicolas há muito tempo. São homens bons e

de fé!

— Então por que estava enterrado aqui?

— Isso... isso deve ser antigo! De outro morador, talvez! Eu nunca vi essa

caixa na vida!

— Sabe... isso são drogas, Juan.

— Eu sei o que são! E eu sou um homem de Deus! Nunca usei isso! Não sou

criminoso!

— Bom, usar não é exatamente um crime. E minha vó dizia que mentiras

enterradas têm um jeito curioso de reaparecer.

Ele se aproximou da caixa, trêmulo.

— Tá me acusando? Você vem aqui, me revira, e agora quer me jogar na

lama?

— Não estou acusando. Só fazendo perguntas.

Suas mãos vieram direto no meu pescoço. Engasguei. Quando me dei conta, meus

pés já não tocavam o chão. O homem de Deus erguia meu corpo como se eu fosse um

bicho de pelúcia.

— Minha vó tava certa — disse com dificuldade, enquanto minha traqueia era

esmagada —, a palavra realmente fortalece o homem.

Juan me encarou como um tigre raivoso. Suas mãos pesaram ainda mais sobre meu

pescoço. Já estava quase apagando, quando ele me soltou. Caí como um saco

de lixo no chão, tossindo feito uma velha fumante, enquanto tentava retomar meu

fôlego e lembrar meu nome.

Olhei para Juan. O homem tremia e hiperventilava, como se tivesse sido tocado

por uma assombração.

— Papai! — Karen gritou, descendo as escadas e indo em direção ao pai.

— O que você fez com ele? — Kenny me questionou, vindo logo atrás da menina.

— O que eu fiz? — devolvi a pergunta, me levantando.

O garoto me ignorou e também foi até o pai.

Juan lacrimejava e sufocava, como se estivesse engasgado com o próprio ar.

Os pequenos tentavam acudir o rapagão, pedindo para que se acalmasse e tentasse

respirar devagar.

— Matias! — Kenny gritou.

Em poucos segundos, o segurança gigante desceu pelas escadas com um copo de água

na mão.

As crianças se afastaram e então Matias ajudou Juan a tomar a água, enquanto dava

tapinhas em suas costas.

Juan finalmente começou a se acalmar.

Assim que recuperou o fôlego, me encarou com uma ira espantosa no olhar. Apontou

seu dedo, que mais parecia uma salsicha gorda, para mim e disse:

— Fique longe de mim. Fique longe dos meus filhos. E que Deus me perdoe pelo

que farei com você caso volte a estar no alcance da minha vista. Agora saia da

minha casa!

Não hesitei. Limpei a poeira que contaminou meu casaco barato com algumas

batidas, encarei-o por um segundo, me despedi das crianças com um balançar de cabeça

e subi as escadas em silêncio.

---

A porta se fechou atrás de mim com força. Juan não gritou, mas o som ressoou

como uma sentença.

Consegui o que queria. Mas o preço foi alto.

E as perguntas agora eram maiores que as respostas. Tudo aquilo só me animou

ainda mais para entender o que estava acontecendo.