Delegacia dos Desiludidos

Já passava um pouco da uma da tarde e eu caminhava feito um bêbado emocional pelas ruas quentes de Santas Graças, recém-expulso da casa dos Frontez, com a moral arrastando no asfalto e a camisa suada grudada nas costas.

Mas ainda havia um fio de esperança - ou talvez só um desejo masoquista de me humilhar mais um pouco: a delegacia local.

O prédio era um caixote bege desbotado, com uma placa torta onde se lia: "Delegacia de Polícia Civil - Santas Graças".

Ao entrar, fui recebido por um cheiro de café queimado e desespero mal ventilado. Um ventilador de teto girava devagar, como se ponderasse se valia a pena continuar existindo.

- Posso ajudar? - perguntou a moça ruiva na recepção, mascando chiclete com a energia de uma lesma deprimida.

- Sou detetive particular. Estou investigando os casos das mulheres que supostamente pegaram fogo sozinhas - falei, exibindo meu crachá improvisado, que mais parecia um cartão de fidelidade do bar da esquina.

Ela arqueou a sobrancelha, estourou uma bolha de chiclete e apontou com o queixo para uma porta de madeira mal envernizada.

- Fala com o inspetor Odécio. Terceira sala à esquerda. Se ele não tiver dormindo.

E não é que estava?

Assim que abri a porta me deparei com um homem de bigode fino, farda alinhada, uma quantidade excessiva de gel prendendo os cabelos para trás e uma barriga grande e redonda. Dormia com os pés apoiados na mesa e uma caneta pendurada entre os dedos da mão esquerda, onde o anelar ostentava uma aliança dourada exageradamente grande e brilhante - um marido orgulhoso, ou talvez alguém tentando compensar algo.

Entre o acúmulo de pilhas de papéis em sua mesa, observei uma caneca de café gelado, um pacote de biscoitos recheados, um copo de canetas cheio, um estojo de carimbos e um porta-retrato com a fotografia de uma mulher loira, com bochechas tão grandes quanto os seios. O computador à frente piscava um joguinho de paciência.

- Inspetor Odécio? - chamei num tom alto o suficiente para não precisar repetir.

O homem acordou assustado, derrubando algumas folhas e quase o monitor. Me olhou com a hostilidade típica de quem foi interrompido no meio de um cochilo digestivo.

- Por Deus! Quem é você?! - perguntou, passando a mão no rosto.

- Detetive Dude. Particular. Investigando os casos de "combustão espontânea" de Miriam Frontez e Sina Bastien. - Usei os dedos para expressar as aspas.

- Casos? - Ele esfregou os olhos e riu, sem humor. - Não tem caso nenhum, parceiro. As duas pegaram fogo. Não tem autor, não tem prova, não tem lógica. Mistério da natureza. Já era. Vai pra Netflix.

- Não me parece o tipo de coisa que acontece todo dia. - Cruzei os braços. - Ou aí em Santas Graças mulheres espontaneamente virando churrasco é algo corriqueiro?

Ele me lançou um olhar frio. Puxou um biscoito, mordeu e respondeu de boca cheia:

- Se quer jogar charada com o diabo, boa sorte. Eu tenho papelada real pra resolver.

- Imagino. - Lancei um olhar para a tela do computador, ainda exibindo paciência. - O senhor parece muito ocupado.

Ele parou de mastigar e inclinou levemente o corpo pra frente.

- Escuta aqui, detetivezinho... - o tom desceu uma oitava. - Eu não tenho obrigação nenhuma de te passar nada. Essa investigação - se é que dá pra chamar assim - não tá sob jurisdição de palpiteiro particular. Então, se veio aqui achando que vai mandar em alguma coisa, sugiro dar meia-volta antes que se queime também.

- Uma ameaça, inspetor? Talvez um possível suspeito?

Odécio se levantou rangendo os dentes.

- Você entra numa delegacia e tem a audácia de acusar um policial? Você é louco, rapaz?!

- Só estou tentando encontrar a verdade, inspetor. Alguém tem que fazer esse trabalho.

- E tá insinuando o quê? Que a polícia daqui não faz?

- Não tô insinuando. Tô dizendo mesmo. - Sorri. - Se gente como você for o padrão da Polícia Civil por aqui, talvez Santas Graças mereça estar pegando fogo.

Ele ficou me encarando, mastigando devagar, sem desviar os olhos. O tipo de silêncio que precede uma briga ou uma guerra fria.

- Toma cuidado com esse seu jeitinho. - Ele falou baixo. - Gente como você aparece com um ego grande e sai com algum membro quebrado.

- Outra ameaça, inspetor?

- Um aviso, detetive.

Nos encaramos como dois bandidos de faroeste num duelo. O problema é que um de nós estava sem arma - e o problema maior ainda é que esse alguém era eu.

- Que seja - ergui o queixo. - Prefiro sair com um membro quebrado do que enterrado em mediocridade.

Odécio riu. Eu não.

Um segundo policial, baixo, redondo e carregando um saco de salgadinhos, entrou questionando:

- O que tá pegando aqui?

Odécio se adiantou para me apresentar.

- Este aqui é o detetive particular Dude - o tom irônico na voz era de dar náuseas. - Ele está investigando o caso dos Frontez e da Bastien.

- Tá querendo desvendar o caso das mulheres-tocha, é? - zombou o policial bolinha, gritando alto o suficiente para todo o prédio ouvir. - Boa sorte, Sherlock! Só se você tiver detector de demônio.

Risos ecoaram de outras salas. Alguns bateram palmas.

- E aí, detetive, já falou com o Corpo de Bombeiros de Jerusalém? Vai que foi fogo sagrado! - gritou alguém do fundo.

Saí de lá com um misto de raiva, nojo e pena. Não sei se deles, de mim ou do estado da investigação pública neste país.

A brisa quente da tarde me disse algo que os policiais não disseram: se eu quisesse respostas, teria que cavar fundo. Mais fundo do que o inferno permitiria.

Talvez fosse mesmo um caso impossível.

Mas casos impossíveis são os únicos que ainda pagam as contas.