Existem fantasmas que se escondem sob lençóis, portas rangendo ou castelos abandonados. Outros preferem perfis privados nas redes sociais, casas organizadas demais e vizinhos que juram que “ela era discreta, mas educada”. Sina Bastien era do segundo tipo.
A primeira vítima. A primeira a virar carvão humano antes mesmo que a cidade tivesse tempo de notar o cheiro de enxofre. E agora, com o nome dela pipocando na boca de Joisse como alguém que discutia com Miriam em um parque... bem, meu faro se acendeu como o de um cachorro em uma churrascaria.
Sina Bastien era uma mulher de aparência bem chamativa: cabelo chanel, maquiagem carregada, corpo magro e alto, mas cheio de curvas — padrão modelo de revista, com um toque... um tanto gótico, talvez. Uma personificação da luxúria.
A investigação não foi simples. Sina era praticamente um fantasma com CPF. Sem amigos, sem família próxima, sem histórico médico público. Mas não há nada que pare um detetive endividado — ou vizinhos aposentados com tédio e olhos atentos. Assim descobri que Sina Bastien se mudou para Santas Graças no dia 25 de janeiro. E, por uma coincidência que me deu uma coceira na nuca, os Frontez passaram o réveillon de 2014 em Mirlen — justamente a cidade de onde nossa mulher-mistério viera. A família voltou apenas em 2 de janeiro. Nada que comprove algo direto... mas coincidências em excesso são como fósforos perto de gasolina: em algum momento, vai pegar fogo.
Pesquisando algumas notícias sobre a combustão de Sina, o sobrenome “Bastien” — que já não me era estranho — me levou a uma nova descoberta: Sina tinha uma irmã gêmea. Uma freira. Quer dizer... ex-freira. Sintia Bastien. Mais conhecida como “a freira assassina”. Uma mulher que achava que a salvação vinha com um punhal. Tornou-se uma celebridade dos jornais sensacionalistas, tanto nacionais quanto gringos. Uma celebridade que, ao invés de amada, era temida. As irmãs pareciam o oposto uma da outra — ao mesmo tempo que tinham um rosto tão semelhante.
Sintia, hoje, está trancada em um presídio psiquiátrico de segurança máxima, não muito longe de Santas Graças, culpada por matar sete mulheres que, segundo ela, estavam “possuídas pelos pecados da carne”. Um verdadeiro anjo vingador com vocação para serial killer. Precisei de uns favores antigos, uma ligação para um contato na Justiça e uma troca de garrafas por informações para conseguir visitá-la. Mas valeu a pena.
Antes disso, visitei a casa de Sina. Uma unidade térrea discreta, com muitos vasos de plantas na fachada e portão eletrônico silencioso. Os muros eram relativamente baixos, nada difíceis de pular — o que usei a meu favor. As portas estavam trancadas — óbvio — então me esgueirei pelo corredor lateral em busca de qualquer brecha, como um ladrão profissional, até que encontrei uma: a janela do quarto. Notei o trinco desgastado e falho. Precisei apenas de algumas balançadas sutis no vidro e do meu bom e velho cartão de crédito estourado para erguer o trinco. E pronto, entrei.
Na parte de dentro, nenhum sinal do caos que supostamente consumiu o corpo de Sina em chamas, apenas algumas marcas de queimado nas paredes do banheiro. A arrumação da casa era impecável, e o cheiro dos cômodos era insuportavelmente agradável. O chão reluzia mesmo após tantos dias sem cuidado, os móveis estavam organizados por cor e simetria. Uma casa com toque de TOC. Mas algo me incomodava. Talvez fosse paranoia, mas havia ali um certo arrepio. Aquele silêncio... tanto conforto me deixou desconfortável. Tudo parecia correto demais, até que, no quarto, sobre a cama arrumada, identifiquei alguns farelos de pão. Quase imperceptíveis. Incompatíveis com o resto da cena. Sina não parecia o tipo de mulher que comeria pão na cama e deixaria a sujeira para trás. E, se realmente houve uma investigação ali, foi feita tal qual um gorila realizando uma cirurgia.
Na sala, mais um risco no templo de perfeição da senhorita Bastien: um pontinho preto escuro em um retângulo preto claro. Uma microcâmera instalada em um dos cantos da tela gigante da televisão. Parecia ter sido colocada ali de forma estratégica, mas por quê? Guardei o artefato minúsculo no bolso da calça.
Continuei a busca. Farejei cada canto minuciosamente. Minha intuição dizia que havia mais para se encontrar ali. Não posso dizer que a velha intuição é infalível, mas foi ela que me levou a descobrir um compartimento secreto atrás de uma estante de livros sobre astrologia, bruxaria e... K-pop. Sim, Sina era uma mulher cheia de camadas.
Dentro do compartimento, encontrei um pequeno baú com trancas simples. O conteúdo? Um pen drive pequeno. Sem marca, preto, discreto, inofensivo. Mas que tipo de conteúdo poderia haver dentro daquela coisinha para que estivesse tão bem escondida? Guardei no bolso do casaco. Não era o momento para análises — ainda tinha uma freira psicopata me esperando com sua voz de exorcismo e olhar de apocalipse.
Concluindo minha perícia na casa de Sina, tomei um ônibus com destino à cidade de Malvora. Uma breve pausa no cenário “santo” de Santas Graças. Minha última parada: Penitenciária Federal Coronel Rocha, lar de Sintia Bastien.