a dança do lobo
O clangor de metal contra metal, os gritos guturais dos guardas, o cheiro acre de suor e sangue... O caos da batalha ecoava pelos meus ouvidos, uma sinfonia dissonante que me impulsionava a cada golpe. Eu, Xu Zao, o Leão, enfrentava uma dúzia de homens, minha espada dançando na noite como uma extensão do meu próprio corpo. Cada movimento era preciso, calculado, uma mistura de força bruta e elegância letal. Eu era um furacão de aço, abrindo caminho em meio à multidão, derrubando meus oponentes como árvores diante de uma tempestade. Minha distração estava funcionando. Os guardas estavam focados em mim, cegos para qualquer outra ameaça. Mas onde estava o Lobo? Será que ele havia conseguido se infiltrar no armazém? Será que estava em perigo? Um calafrio percorreu minha espinha. Apesar da minha irritação inicial com aquele detetive intrometido, eu não podia negar a crescente preocupação que sentia por ele. Ele era mais do que um investigador presunçoso. Era uma peça fundamental no nosso plano, a chave para desmascarar Zhao Lin. De repente, um grito agudo ecoou do interior do armazém, seguido por uma série de estrondos abafados. Meu coração deu um salto no peito. O Lobo estava em apuros. Abri caminho entre os guardas restantes, minha espada deixando um rastro de sangue e dor, e corri em direção ao armazém. Ao entrar no prédio, fui recebido por uma visão que me fez parar, surpreso. O Lobo, cercado por três homens armados, lutava com uma ferocidade que eu jamais imaginaria. Seus cabelos, antes presos em um coque meio preso, meio solto, agora fluíam livremente, ondulando ao redor de seu rosto como uma aura negra e selvagem. Ele havia retirado duas adagas – que antes eu tomara por meros ornamentos prendendo seu cabelo – e as empunhava com a graça e a precisão de um mestre espadachim. Seus movimentos eram fluidos, elegantes, quase etéreos, como uma dança mortal sob o luar. A luz bruxuleante das tochas lançava sombras dançantes sobre sua pele pálida, acentuando a beleza exótica de seus traços e a intensidade de seus olhos negros. Com os cabelos soltos a dançar ao redor do rosto na noite, ele parecia um espírito vingador, uma criatura da noite liberada para semear o caos e a destruição. Tão impressionante e feroz quanto um lobo uivando para a lua. Ele é... magnífico, pensei, surpreso comigo mesmo. Perigosamente magnífico. O Lobo desviava dos golpes dos seus oponentes com uma agilidade impressionante, suas adagas cintilando na escuridão como presas de uma serpente venenosa. Ele se movia com a fluidez de um rio, a força de um vendaval, a precisão de um cirurgião. Cada ataque era letal, cada esquiva, uma obra de arte. Eu o observei lutar, fascinado, esquecendo por um instante o perigo que nos cercava. Aquele detetive, que eu havia subestimado, revelava-se um guerreiro habilidoso, um adversário a ser temido. Ele não lutava com a força bruta de um soldado, mas com a precisão e a astúcia de um predador. Ele era o Lobo, e naquele momento, ele estava em seu elemento. Um dos guardas avançou sobre ele, tentando desarmá-lo com um golpe violento. O Lobo, com um sorriso irônico, esquivou-se com facilidade e, com um movimento veloz e preciso, cravou uma de suas adagas na garganta do homem. O guarda caiu no chão, sem vida. Os outros dois, vendo o companheiro morrer, hesitaram por um instante. O Lobo aproveitou a brecha e atacou com fúria renovada, suas adagas transformando-se em clarões prateados na escuridão. Em poucos segundos, os dois guardas estavam caídos ao seu lado, juntando-se ao companheiro na morte. O Lobo, ofegando, encostou-se na parede, suas vestes manchadas de sangue, os cabelos negros e agora soltos caindo em cascata sobre seus ombros. Ele estava exausto, ferido, mas vitorioso. A visão era de tirar o fôlego. Eu me aproximei dele, sentindo uma mistura de admiração e respeito. "Você foi impressionante, Lobo," disse, minha voz rouca de emoção. Ele me encarou, seus olhos negros brilhando com uma intensidade que me fez estremecer. "Você também não foi mal, Leão," respondeu, com um sorriso fraco. Aquele sorriso, tão raro e inesperado, transformou seu rosto, revelando uma beleza ainda mais estonteante. Desviei o olhar, sentindo minhas bochechas corarem. O que está acontecendo comigo?, pensei, confuso. Por que estou reagindo assim a este homem?" Precisamos ir," disse o Lobo, interrompendo meus pensamentos. "Zhao Lin deve estar a caminho." Ele estava certo. Não tínhamos tempo a perder. Com os rolos de seda em segurança e a admiração pelo Lobo crescendo em meu peito, deixamos o armazém, desaparecendo nas sombras da noite, como dois fantasmas em busca de justiça. A fuga do armazém foi uma corrida contra o tempo, um turbilhão de sombras e sons. Wey Zong, com os rolos de seda comprimidos contra o peito, movia-se pelas vielas labirínticas de Chang'an com a segurança de um predador em seu território. "O Templo da Lua Prateada", dissera ele a Xu Zao no início da fuga, a voz baixa e urgente, o olhar fixo no caminho à frente, como se já pudesse visualizar o santuário no topo da colina. Xu Zao, o Leão, seguia logo atrás, abrindo caminho com a força bruta, a espada ainda gotejando o sangue dos guardas que haviam ousado se interpor entre eles e a liberdade. A adrenalina ainda pulsava em suas veias, a imagem da dança mortal do Lobo, cabelos soltos ao vento, adagas cintilando na escuridão, gravada a fogo em sua memória. Sob a luz sinistra da lua carmesim, a cidade assumia uma atmosfera fantasmagórica. Sombras alongadas se esticavam pelos telhados, transformando ruas familiares em corredores de um pesadelo. O silêncio, quebrado apenas pelo eco de seus passos apressados e o latido distante de um cão, amplificava a tensão que os envolvia como uma mortalha. A subida íngreme até o templo testou os limites de sua resistência. Cada músculo queimava, cada respiração era uma conquista. Mas a proximidade do santuário, a promessa de refúgio, infundia-lhes uma força quase sobrenatural. Ao chegarem aos portões do templo, foram recebidos pelo Abade Hong, cujo rosto, normalmente sereno, se iluminou ao ver Wey Zong. "Wey Zong, meu sobrinho! Faz tanto tempo. O que o traz à Lua Prateada a esta hora, e em tal estado?" Seus olhos percorreram as vestes manchadas de sangue de ambos, a preocupação evidente em sua voz." "Tio Hong", respondeu Wey Zong com um breve aceno de cabeça, a habitual máscara de impassibilidade de volta ao lugar, "precisamos de seu auxílio." Estamos em uma situação... complicada." Lançou um olhar significativo para Xu Zao, como se pedisse discrição. Dentro do templo, o ar era denso com o aroma de incenso e a tranquilidade da oração. Após ouvirem o relato detalhado dos eventos da noite, da descoberta das provas contra Zhao Lin, da luta frenética no armazém e da fuga desesperada, o Abade Hong examinou os rolos de seda com uma expressão grave. "A corrupção se alastra como uma praga", suspirou, seus dedos deslizando sobre o pergaminho. "Mas a justiça, como a lua, sempre retorna para iluminar a escuridão." UE os ajudarei a levar essas provas ao Imperador. Zhao Lin não escapará impune." A promessa do Abade Hong trouxe um alívio palpável. Com o apoio do templo, a esperança de expor a conspiração e levar o traidor à justiça se fortalecia. Enquanto Xu Zao cuidava dos ferimentos superficiais de Wey Zong, a admiração que sentira pela habilidade do Lobo em combate se intensificava, misturando-se a uma crescente curiosidade. A graça letal, a beleza quase sobrenatural sob a luz da lua, o mistério insondável de seus olhos negros... Tudo isso o atraía e o intimidava ao mesmo tempo. Aplicando um unguento em um corte no braço do detetive, Xu Zao tentou mais uma vez penetrar a armadura de reserva que o envolvia. "Onde aprendeu a lutar, Lobo?" Por aí," respondeu Wey Zong, dando de ombros, o olhar fixo em algum ponto distante, como se a pergunta fosse trivial, irrelevante. Xu Zao suspirou, reprimindo a frustração. Sabia que insistir seria inútil. O pouco de interação que teve até agora com o lobo o mostrou que o lobo, sempre arredio, não revelaria facilmente seus segredos." As pessoas são capazes de uma crueldade... impressionante," comentou Xu Zao, pensativo, ainda sob o impacto da brutalidade dos guardas e da fria eficiência do Lobo em eliminá-los." Quase todos são assim", respondeu Wey Zong, a voz baixa e desprovida de emoção, como se constatasse um fato óbvio, incontestável. "Por isso, prefiro a companhia dos animais." Xu Zao o olhou, intrigado. "Para você, isso é... normal? Achar que todos são capazes de tanta escuridão?" Ele próprio, apesar de general e veterano de inúmeras batalhas, ainda se surpreendia com a capacidade humana para a crueldade. Wey Zong deu de ombros mais uma vez, um gesto quase desdenhoso. "O mundo é um lugar sombrio, Leão. E eu estou nele há bastante tempo." Quanto tempo, exatamente?, perguntou-se Xu Zao, a curiosidade roendo-o por dentro. Que tipo de experiências teriam forjado aquele homem enigmático, tão hábil em navegar pelas sombras, tão desiludido com a natureza humana? Deixando Wey Zong descansar, Xu Zao saiu para o corredor, onde encontrou o Abade Hong o aguardando com uma xícara de chá fumegante. Ele sempre foi assim, reservado", disse o abade, como se tivesse lido seus pensamentos. "Conheço Wey Zong desde que ele tinha oito anos." Encontrei-o em meio a uma pilha de corpos, após um massacre em um pequeno vilarejo. A única criança sobrevivente. Mesmo naquela idade, em meio a tanto horror, ele... ele mal reagiu. Parecia distante, alheio à tragédia que o cercava." O abade fez uma pausa, o olhar perdido nas lembranças dolorosas. "Quando criança, ele raramente sorria, a não ser quando brincava com os animais do templo." Na adolescência, os sorrisos se tornaram ainda mais raros, reservados apenas para as crianças e os animais. Sempre pareceu... nutrir uma certa aversão aos adultos, à humanidade em geral. Só se animava quando se tratava de desvendar mistérios, de solucionar enigmas. Talvez por isso tenha se tornado tão bom no que faz." Xu Zao ouvia atentamente cada palavra do Abade, pintando um quadro sombrio e fascinante da infância do Lobo. "O senhor mencionou que ele gostava de desvendar mistérios", disse Xu Zao, pensativo. "Como assim?" O abade sorriu, um brilho astuto em seus olhos. "Bem, meu jovem, antes de me recolher à vida monástica, eu fui... investigador na capital. E Wey Zong, com sua mente brilhante e sua sede insaciável por conhecimento, se tornou meu... pupilo, por assim dizer. Ele tinha um talento nato para observar, para deduzir, para encontrar pistas onde ninguém mais via nada. Ele desvendava os pequenos mistérios do templo - o desaparecimento de uma ferramenta, o roubo de algumas frutas do pomar – com uma facilidade assustadora." A história do Abade Hong lançava uma nova luz sobre a figura enigmática do Lobo. Xu Zao começava a entender a origem da sua perspicácia, da sua habilidade em desvendar os segredos mais ocultos. Mas a imagem daquela criança solitária, encontrada em meio a uma pilha de corpos, o perturbava profundamente. Que tipo de cicatrizes aquele trauma teria deixado em sua alma? Naquela noite, sob a luz da lua, enquanto o Lobo dormia pacificamente no quarto ao lado, Xu Zao, o Leão, permanecia acordado, atormentado por perguntas sem resposta, cativado por um mistério que ia muito além da conspiração que os unia. Ele sabia que sua jornada com o Lobo estava apenas começando, e que as sombras que os cercavam escondiam segredos muito mais profundos e perigosos do que ele poderia imaginar..