A lua alta iluminava o quarto vazio.
Hiro não usava a cama. Não há muito tempo.
Ele se recostava no canto mais escuro do quarto, entre a parede e o armário, a espada de madeira apoiada nos joelhos dobrados. Seus olhos permaneciam semiabertos, treinados para captar qualquer movimento.
Microsonos.
Trinta minutos de repouso.
Cinco minutos de alerta máximo.
Repetir.
Era assim que se dormia na guerra.
Quando o pesadelo veio, não houve transição.
Um instante ele estava no quarto escuro. No seguinte, o cheiro de enxofre queimava suas narinas.
— HIRO-SAN! FLANCO DIREITO!
Seu corpo reagiu antes da mente. A espada de madeira cortou o ar num movimento preciso, golpeando um inimigo inexistente. Seus olhos ardiam, adaptando-se à escuridão, mas o que viam não era seu quarto.
Era o campo de batalha.
— Magos, Conjurem! Segunda linha, avancem!
Sua voz saiu rouca, o comando automático de quem já liderara centenas para a morte.
Ele chutou o baú aos seus pés – que em sua mente era o cadáver de um demônio – e girou para enfrentar a próxima ameaça.
— PRA CIMA!
A porta se abriu.
Luz invadiu seu campo de visão.
E lá estava ela.
Pequena. Assustada. Viva.
— Mio?...
A realidade colidiu com o delírio.
Mio espiava pela fresta da porta, seu ursinho de pano esquecido no chão.
— H-Hiro...?
Ele não a viu como irmã.
Viu um soldado ferido abandonado no campo.
— Não fique que aí parado, idiota! Eles vêm pelas árvores! Seu braço se esticou, agarrando-a pelo pulso com força suficiente para arrancar um grito.
— Você quer morrer? LEVANTA!
Mio chorou. O som ecoou pelos corredores.
Passos pesados se aproximaram. Hayato surgiu como um touro, ainda atordoado pelo sono, mas pronto para proteger a filha.
Hiro viu apenas um berserker Voidborn avançando.
A espada de madeira girou em suas mãos.
— ATAQUEM!
O golpe foi perfeito. Mortal.
Hayato desviou por um triz, sentindo o vento da madeira passar a centímetros de seu rosto.
— Meu Deus, Hiro! Ayame apareceu atrás do marido, as mãos tremendo sobre a boca.
O som da voz da mãe atravessou o nevoeiro da guerra.
Hiro piscou.
E então...
Viu.
Mio, com o pulso avermelhado, chorando.
Hayato, em posição de luta.
Ayame, com lágrimas nos olhos.
Sua espada de madeira caiu no chão com um baque surdo.
A cozinha estava fria.
Hiro permanecia de pé, encostado na parede como se ainda esperasse um ataque. Hayato bloqueava a saída, não como carcereiro, mas como pai protegendo sua família.
Mio se aconchegava no colo de Ayame, escondendo o pulso machucado nas dobras do roupão da mãe.
— Eu... eu não... Hiro engoliu seco.
Hayato cruzou os braços. — Isso já passou dos limites, filho.
Os olhos de Hiro saltaram entre eles – Mio ferida, Ayame assustada, Hayato desconfiado.
Exatamente como naquele dia.
Exatamente como antes do fim.
Ele deslizou pela parede até sentar no chão, as mãos tremendo.
— Eu não posso dormir. A confissão saiu como faca. Quando fecho os olhos, estou lá de novo.
Ayame se aproximou, lenta como quem chega perto de fera ferida.
— Onde filho?
Hiro ergueu os olhos, e pela primeira vez, permitiu que vissem o que havia por trás da fachada de soldado.
— No Inferno.