A cozinha ainda guardava o frio da madrugada. O silêncio era quase sólido, como se cada palavra não dita pesasse no ar. A família Tanaka estava reunida, mas não unida. Algo havia se rompido na noite anterior, algo que ninguém sabia como consertar.
Hayato permanecia de pé, braços cruzados, encostado na parede. Seus olhos estavam fixos no chão, como se cada rachadura nos azulejos fosse mais fácil de entender do que o próprio filho. Ayame segurava uma xícara de chá intocada, as mãos trêmulas, os olhos vermelhos de preocupação mal contida. No colo dela, Mio se encolhia em silêncio, o rosto parcialmente escondido, como se não quisesse ver o irmão daquele jeito.
— Filho… – a voz de Hayato cortou o silêncio com hesitação contida – ...o que foi aquilo?
Hiro estava no canto da sala, sentado à sombra, como um espectro deslocado do tempo. Seu olhar vazio vagava por memórias que ninguém mais poderia alcançar.
— Não aconteceu nada. Ainda não. – disse ele, num tom baixo, quase ausente.
Ayame se aproximou, os passos lentos, cuidadosos, como se estivesse diante de um animal ferido.
— Hiro, nós te amamos. Mas precisamos entender. Você está nos assustando.
Silêncio.
— Essas visões... esses pesadelos... você precisa falar conosco.
Hiro ergueu os olhos, e por um breve momento havia neles um brilho frio. Não de raiva, mas de uma resignação impiedosa.
— Não são pesadelos. E não posso explicar. Não agora.
— Por quê? – Hayato perguntou, dando um passo à frente, a voz carregada de tensão – Você acha que não vamos entender? Que somos fracos demais pra ouvir?
— Sim. – respondeu Hiro, sem hesitação.
O silêncio seguinte foi brutal.
Ayame levou uma das mãos à boca, contendo um soluço.
Mio agarrou o braço da mãe com força, assustada.
— Onii-chan… – sussurrou ela, com a voz baixa – Você ainda é o meu irmão, né?
Hiro hesitou.
Essa pergunta o atingiu com mais força do que qualquer grito. Ele desviou o olhar, incapaz de encará-la. Porque no fundo, ele também não sabia mais.
— Eu sou o que restou dele. – respondeu, por fim.
Hayato fechou os punhos, a frustração e a impotência pulsando no rosto.
— Você não pode carregar isso sozinho. Não precisa!
— Mas eu vou carregar. – Hiro se levantou, a sombra de um soldado marcando cada gesto – É o único jeito.
— Você está fugindo. – Ayame sussurrou, magoada.
— Estou protegendo vocês. Mesmo que não entendam. – Ele olhou para os três, com um olhar que não pedia perdão nem permissão. – E é só isso que importa.
Sem mais uma palavra, Hiro se virou. Passou pela cozinha como um fantasma, atravessando a porta dos fundos antes que qualquer um pudesse detê-lo.
O som da porta se fechando ecoou pela casa como uma sentença.
Ayame caiu sentada na cadeira mais próxima, abraçando Mio com força.
Hayato ficou parado, impotente.
Do lado de fora, o sol nascia timidamente, espalhando um brilho fraco sobre o jardim ainda úmido de orvalho.
Mas para a família Tanaka, aquele amanhecer parecia mais frio do que qualquer noite.
Lá fora, Hiro caminhava em direção ao desconhecido, com um único pensamento em mente:
Se eu falhar de novo… o mundo morre.