Cinco anos.
Exatos mil oitocentos e vinte e seis dias até a Primeira Quebra.
O dia em que Hadiz queimaria.
O dia em que o céu deixaria de ser azul.
Hiro anotou o número na parede pela décima vez naquela manhã, cada traço mais fundo que o anterior, até ferir a madeira com a lâmina de uma faca.
“1826 dias. Não posso desperdiçar nem um.”
O quarto estava mergulhado na penumbra. Os mapas, símbolos e datas rabiscadas em dezenas de papéis formavam uma espiral em torno dele — uma espiral de paranoia metódica. Cidades riscadas, batalhas futuras que só ele conhecia, nomes de pessoas ainda vivas, mas com morte marcada.
E no centro, três nomes, escritos com sangue seco:
Yumi Kazehara
Sakura Minazuki
Saori Kurozawa
Ele olhava para eles como se fossem túmulos.
Yumi, a santa.
Morreu antes da guerra começar.
Assassinada, por Hikari von Richter, um golpe na jugular enquanto dormia, morreu na hora.
Hiro ainda lembrava da sensação do calor das mãos dela... e do gosto do desespero quando o corpo dela caiu, sem que ele pudesse fazer nada.
Ela foi o amor da sua infância.
A primeira esperança que teve.
E a primeira a ser levada.
Sakura Minazuki.
Mestra. Pilarar.
Morreu aos vinte e quatro anos, empalada por doze lanças negras enquanto segurava os Portões Leste de Valkrim por sete minutos inteiros. Lutou sozinha contra Um General Voidborn da raça guerreira Dar'shaz.
Com uma odachi quebrada.
E a promessa de proteger o flanco até o fim.
Hiro ouviu sua última respiração pelo comunicador mágico.
Não teve forças para atravessar o campo a tempo.
Saori Kurozawa.
A maga mais poderosa que já conheceu.
Mentora. Riso ácido.
Morreu empurrando Hiro para dentro de um portal de evacuação em Arkess, segurando o colapso dimensional com o próprio corpo.
As criaturas Voidborn bestiais a alcançaram antes que o portal se fechasse.
Ela gritou com um sorriso no rosto:
— Vai, idiota… vive por nós.
Hiro não chorou.
Nem naquele dia.
Nem nos seguintes.
Mas algo quebrou ali.
Algo que nunca mais voltou.
Agora, no presente, seu corpo de doze anos não correspondia à mente de um soldado com décadas de cicatrizes.
Ele repetia datas como mantras, tentando manter a sanidade:
— 9 de Azurion, ataque surpresa em Ryneth.
14 de Marnis, surgimento do primeiro voidgate em Lysantia.
3 de Solkar, colapso de Ardelion.
Yumi morre em 1 de Felmor.
Saori morre em 2 de Nireth.
Sakura morre em 14 de Kaelis.
Sete minutos. Sete minutos. Sete…
Parou. O tremor nas mãos denunciava o esgotamento.
— Eu… estou esquecendo. As datas estão fugindo.
Rasgou um dos papéis com raiva.
— Eu preciso lembrar. Se esquecer, elas morrem de novo.
Passou as mãos nos cabelos, encarando o mapa de Valkrim pregado na parede.
Dividido em quatro setores.
Leste. Oeste. Torre Alta. Catedral Branca.
Os Voidborn vieram do leste.
Sakura segurou o portão.
Sozinha.
Por sete minutos.
Ele se ajoelhou, os olhos vazios, enquanto o som de lanças atravessando carne ecoava em sua mente.
Ele podia ver de novo o sangue escorrendo pela armadura branca dela.
Podia sentir o calor do corpo de Saori ao empurrá-lo.
Podia ouvir a risada suave de Yumi enquanto dizia:
— Obrigada, Hiro.
— Eu não posso falhar. – sussurrou ele, os dedos tremendo. – Desta vez… eu não falho.
Levantou-se.
A lâmina estava oculta na manga.
Cinco anos.
Ele tinha cinco anos para mudar o destino.
Cinco anos para evitar o fim do mundo.
Mas o relógio já estava correndo.
E as vozes do futuro sussurravam em seus pesadelos.
Desta vez, ele salvaria todas.
Mesmo que perdesse a si mesmo no processo.