Hiro encarava o teto do quarto como se ele fosse uma parede de runas esquecidas. Seus olhos estavam abertos havia horas, mas o sono nunca vinha. Quando piscava, via sangue. Quando respirava, sentia o gosto da fumaça das cidades em chamas. Quando o silêncio o envolvia, ouvia os gritos.
Estava de volta, sim. Treze anos no passado. Cinco anos antes da guerra.
E mesmo assim... já era tarde demais.
Ele se levantou sem fazer ruído. Passos silenciosos sobre o assoalho de madeira, como um espectro. Foi até a escrivaninha e abriu um velho caderno de anotações escolares. Rasgou as folhas com equações e desenhos infantis, e começou a rabiscar datas freneticamente, pressionando o lápis até ele quebrar.
“Morte da Yumi...”
Pausou.
A mão tremia.
A data... sumira. Ele sabia que era antes da guerra, mas o mês...?
O dia? O ano exato?
Tudo embaralhado.
Tudo nublado.
— Não... não pode ser.
Abaixou a cabeça, puxando os cabelos, rangendo os dentes.
Respira. Foco. Volta.
Relembra.
“Sakura. Portões Leste de Valkrim. Sete minutos.”
Certo.
Ano... ano...
"Onze anos no futuro..."
Mas que dia? Qual dos três calendários estavam usando na época?
A unificação do tempo aconteceu depois... ou antes da queda da Torre Branca?
Hiro parou, os olhos arregalados.
Nada fazia sentido.
A linha do tempo estava... desmanchando.
— Não posso esquecer! Se eu esquecer, elas morrem! Yumi morre, Sakura morre, Saori... Saori...
A memória veio como uma faca.
"Vai, idiota. Vive por nós."
O grito de Saori ecoando dentro dele. O som da carne sendo rasgada. O riso forçado, tentando esconder o medo.
A lembrança perfurou sua mente como vidro.
Ele cambaleou para trás e caiu sentado. O lápis rolou para o canto.
Ele cobriu o rosto com as mãos e ficou assim por longos minutos.
A mente dele — um labirinto de guerra, dor e perda — estava colapsando sobre si mesma.
Finalmente, num sussurro, ele murmurou as únicas datas que ainda sabia com certeza:
— Primeira Quebra: 3 de Orvak, ano 1064.
Sakura: 14 de Kaelis.
Saori: 2 de Nireth.
Yumi… Yumi…
Silêncio.
— Yumi… – sua voz quebrou. – Não me deixa esquecer você também…
Ele fechou o caderno com violência e se levantou.
O tempo era inimigo. A memória, um campo minado.
E no fundo do peito, um medo maior que os próprios Voidborn crescia:
E se ele estivesse se tornando alguém incapaz de lembrar por quem estava lutando?
Mas mesmo sem todas as datas, mesmo sem todas as peças...
Ele ainda tinha os nomes.
E enquanto os lembrasse, ainda podia lutar.
Saiu pela porta, o olhar frio, decidido.
Sem datas. Sem planos perfeitos.
Mas com ódio.
Com promessa.
E com um juramento quebrado preso na garganta:
"Desta vez, nenhuma de vocês morre. Nem que eu destrua este mundo pra impedir."