Capítulo 10 – Vermelho na Água

O sol mal havia rompido o céu de Eldoria, quando Hayato Tanaka desceu o atalho que levava ao Rio Kirei. Esperava encontrar o frescor da manhã, talvez alguns cervos próximos à margem, ou apenas o som das folhas dançando com o vento.

O que encontrou, porém, o fez parar no meio do passo. E gelar por dentro.

Ali, ajoelhado à beira da água, estava seu filho.

Hiro.

Com apenas 12 anos.

Coberto de sangue.

O líquido rubro manchava seus braços, o torso nu, os cabelos. A água corrente levava consigo o vermelho espesso, formando redemoinhos rubros ao redor dele.

Mas o que realmente congelou Hayato não foi o sangue.

Foi a expressão.

Hiro lavava-se em silêncio, os olhos fixos no nada, como se aquilo fosse... banal. Como se estivesse apenas se limpando após um treino. Ou uma pescaria.

Não havia urgência. Não havia medo.

Apenas frieza.

— H-Hiro…? — a voz de Hayato falhou, rouca, quase um sussurro.

O menino ergueu os olhos. Seu rosto era uma máscara calma, sem surpresa, sem vergonha.

— Oi, pai.

Só isso.

Como se fosse uma manhã qualquer.

Hayato se aproximou, lentamente, como quem teme acordar uma fera. Seus olhos varreram o corpo do filho: pequenos cortes superficiais, nada sério. O sangue... não era dele.

— O que… o que você fez? — murmurou, engolindo seco.

Hiro voltou a esfregar os braços, retirando manchas secas sob as unhas. Parecia mais incomodado com a sujeira do que com a pergunta.

— Eram cinco. Estavam reunidos numa velha taverna perto da estrada sul. Tarde da noite. Eu fui até lá.

— Cinco? — Hayato sentiu um frio na espinha. — Você... matou cinco homens?

Hiro assentiu. Com naturalidade. Como se estivesse contando os passos de uma coreografia.

— Eles iam atacar uma casa hoje à noite. Iam matar os pais. Queimar tudo. E... fazer coisas com a filha. Eu impedi.

— Como você sabe disso?! — Hayato recuou meio passo, a mente em colapso. — Como pode ter tanta certeza?!

— Porque eu sei. — A voz de Hiro era baixa, controlada. — “Eu só... sei. E agora Isso eles não vão mais machucar ninguém.

Hayato ficou ali, estático. O vento balançava as folhas, os pássaros cantavam ao longe — sons normais, num mundo que não parecia normal mais.

Diante dele, seu filho de 12 anos falava de assassinato como um adulto treinado. Sem lágrimas. Sem medo. Sem qualquer traço da infância que ele lembrava.

— Isso... isso não é certo, Hiro. Isso... você devia ter vindo pra mim, ou...

— E então o que, pai? Esperar? Ver eles fazerem? Eu sei o que vai acontecer. Eu lembro. Eles iam sair impunes. Eu fiz o que precisava ser feito.

Por um instante, os olhos de Hiro brilharam. Não de emoção, mas de algo que parecia ainda mais fundo: convicção absoluta.

Hayato sentiu o coração pesar no peito.

Aquele não era um menino.

Era algo quebrado. Algo... refeito em dor.

— Você não devia saber dessas coisas... você é só uma criança... — murmurou, quase pra si mesmo.

Hiro terminou de se lavar, vestiu a camisa com calma e virou-se para o pai, já pronto para subir de volta pela trilha.

— Não conte pra mãe. Nem pra Mio.

— Hiro...

— Elas não entenderiam.

E com isso, subiu a encosta, deixando pegadas úmidas e silenciosas na terra.

Hayato permaneceu à beira do rio por longos minutos, sem conseguir se mover.

A correnteza levava o sangue embora.

Mas o que ele viu naquele dia...

jamais seria lavado.