A lua pairava alta no céu quando Hayato chamou Hiro para fora.
Sem palavras, apenas um gesto com a cabeça.
Era tarde. Ayame já dormia. Mio, também. A noite era fria, e o vento trazia o cheiro úmido das montanhas distantes.
Sentaram-se atrás da casa, onde só havia terra batida, um velho toco e silêncio.
Hayato acendeu o cachimbo, tragou fundo, e então olhou para Hiro. Não com raiva. Não com medo.
Mas como um homem que está prestes a conversar com alguém que talvez não conheça mais.
— Cinco.
Hiro permaneceu calado.
— Cinco corpos. Três com a garganta cortada. Dois com ossos esmagados. Você fez aquilo sozinho?
— Sim.
Silêncio.
O vento soprou mais forte.
— Você tem doze anos.
— Eu sei.
Hayato expirou a fumaça devagar. Depois voltou os olhos para o filho — e não viu um menino. Não viu uma criança.
Viu alguém que já tinha matado mais do que muitos veteranos.
— Você não hesitou. Não tremeu. Não entrou em choque depois. Apenas… fez. Como se fosse natural....
— Foi.
Hayato ficou em silêncio por um longo tempo.
— Você sabia o que aqueles homens iam fazer?
— Sim.
— Diga.
Hiro encarou o chão, depois olhou para o pai. A voz saiu seca, crua.
— Iam matar os pais. Estuprar a garota. Queimar a casa.
— Ela teria sobrevivido”
— Sim. Mas nunca teria esquecido.
Hayato tragou fundo.
— E você os matou. Cada um. Rápido. Como se estivesse cumprindo um dever.
— Eu estava.
— Você dormiu naquela noite?
— Sim.
— Sem pesadelos?
— Nenhum.
Hayato se inclinou, os olhos fixos nos de Hiro.
— E não sente culpa?
— Não.
Silêncio.
— Você sabe que isso não é normal, certo?
— O que seria normal? Esperar eles fazerem aquilo e chorar depois?
— Não. Normal seria ter medo. Ter dúvidas. Não carregar esse olhar.
Hayato apontou com o queixo.
— Esse olhar que diz que você já viu o inferno e voltou.
Hiro respirou fundo, mas não respondeu.
— Você tem doze anos, Hiro. Mas tem olhos de um homem que já matou pela centésima vez.
O garoto baixou o olhar.
— Eu não queria ser assim.
— Mas é.
O silêncio se arrastou. Nenhum dos dois fugiu do peso da conversa.
— Sabe, disse Hayato, olhando para a brasa do cachimbo, na guerra de Valtheras, eu executei três homens. Eles haviam desertado, deixado os companheiros para morrer. Fiz o que tinha que fazer. E mesmo assim, sonhei com aquilo por meses.
— Eles mereciam morrer?
— Mereciam. Mas isso não me protegeu do peso.
— Talvez você não estivesse acostumado.
Hayato o encarou.
— E é isso que me assusta, Hiro. Você está.
Hiro desviou os olhos.
— Eu só… não podia deixar aquilo acontecer.
— Eu sei.
Hayato apagou o cachimbo. A fumaça se dissipou no vento.
— Eu não sei o que aconteceu com você. Mas tem algo aí dentro... que não pertence a essa idade. Algo que nem eu entendo.
Ele hesitou, mas então continuou:
— Eu te amo, filho. Mas se um dia você cruzar um limite que não se pode voltar…
Ele não terminou a frase.
Não precisava.
Hiro assentiu. Entendia.
E, de certo modo… agradecia por isso.
Mais tarde, enquanto todos dormiam, Hiro ficou do lado de fora olhando as estrelas.
Elas pareciam iguais.
Mas ele sabia que não eram.
Porque no futuro, o céu estava vazio.
E ele carregava esse silêncio dentro de si — um silêncio que ninguém naquela vila jamais escutaria.