Capítulo 19 – A Cidade dos Mil Olhos

O portão leste de Valkrim surgia no horizonte como uma muralha viva.

Torreões de pedra negra. Bandeiras azuis ondulando no vento. Guardas com lanças reluzentes e olhares afiados. Carruagens entrando e saindo sem cessar.

Ayame cobriu a boca com a mão.

— Meu Deus...

Mio estava de pé na carroça, os olhos brilhando como se visse um conto ganhar vida.

— É tão... grande!

— Senta, Hiro disse, sem tirar os olhos da estrada. Já estamos quase entrando.

Para ele, aquilo era familiar.

Conhecia cada rua. Cada viela.

Já havia passado por ali em outra vida — uma vida onde o céu era vermelho e Valkrim jazia em ruínas.

Agora, parecia intocável. Orgulhosa. Viva.

Mas Hiro sabia o que morava por trás da beleza: corrupção, ganância, segredos. E a Academia Arcadia, no alto do distrito real, parecia observá-los de longe, como um monólito branco sobre os telhados coloridos.

A carruagem passou pelo portão sem problemas — os guardas nem ao menos perguntaram os nomes.

Ele havia pago bem por isso.

As ruas internas estavam abarrotadas de gente. Vendedores gritavam suas ofertas, crianças corriam com frutas, bardos tocavam liras desafinadas. O cheiro de carne assada se misturava ao de ferrugem e fumaça.

Ayame apertava a mão de Mio, assustada.

— Isso aqui... é outro mundo.

Hiro manteve a calma, guiando a carroça com precisão pelas ruelas.

— Vamos para o bairro norte. É mais seguro.

— Você já esteve aqui antes? Ayame perguntou, sem pensar.

Hiro hesitou por um instante.

— Digamos que... conheço o caminho.

A casa era modesta, mas firme. Dois andares, janelas reforçadas, bem localizada. Comprada com o dinheiro dos mortos.

Quando entraram, Ayame ficou sem palavras. Havia comida armazenada, camas feitas, até uma lareira acesa. Hiro havia preparado tudo dias antes, durante uma viagem rápida — sem contar a ninguém.

— Você fez isso... por nós?

— Não faria sentido vir sozinho.

Mio correu pelos cômodos, rindo.

— Quero o quarto com a janelinha!

Hiro a observou.

Era por isso que ele continuava.

Naquela noite, enquanto Ayame cozinhava cantarolando e Hayato arrumava o depósito, Hiro subiu até o telhado.

De lá, via a Academia ao longe, seus muros brancos reluzindo sob a luz da lua. Parecia uma fortaleza sagrada.

Mas ele sabia.

Ali, estavam seus futuros aliados... e seus futuros inimigos.

Ele fechou os olhos.

Dois anos, três meses e oito dias.

Era o tempo que havia se preparado.

Agora, estava pronto.

E Valkrim não fazia ideia do que estava prestes a receber.

Um monstro.