Capítulo 23 – Um Frio que Queima

O campo de treinamento da Classe Elite fervilhava de atenção. Era o primeiro dia, e todos queriam ver a nova geração em ação: herdeiros de linhagens lendárias, filhos de generais, santos, nobres…

E um plebeu.

À sombra de uma árvore, Hiro observava em silêncio. Sua expressão era neutra. Sua espada — sem ornamentos, cabo de couro escuro — repousava à cintura, intocada.

No canto do campo, Yumi Kazehara se aproximou com passos cautelosos. Seu uniforme branco reluzia sob o sol da manhã, e os longos cabelos prateados dançavam com o vento.

— Olá... Hiro, certo?

Ele virou levemente o rosto.

— Sim. Kazehara, não é?

— Uhum...

Ela forçou um sorriso, mas seu coração vacilava.

Ele a olhava nos olhos — sem reverência. Sem deslumbre. Apenas... como se fosse uma garota comum.

— Você não vai lutar hoje? — ele perguntou, com o mesmo tom casual que usaria com qualquer colega.

— Não. Como Santa, estou isenta das lutas. Vim só observar.

— Entendo. Então hoje você só assiste.

— É...

Yumi ficou ali por um instante. O silêncio entre eles era estranho. Quase sufocante.

“Ele fala comigo como se eu não fosse especial. Como se... eu fosse só mais uma. Por que meu coração está batendo assim...?”

— Próxima luta! Hiro Tanaka contra Sakura Minazuki!

O murmúrio percorreu o campo como um trovão abafado.

— Ele vai lutar contra… a filha do Santo da Espada?!

— A sucessora do espadachim mais forte do reino… contra um plebeu?!

— Vai ser um massacre…

— Esse plebeu não dura três golpes.

Hiro caminhou até o centro com passos silenciosos. A sombra de sua expressão não mudava.

Sakura já o esperava. Uniforme impecável, a longa odachi Nozarashi em mãos. Seus olhos vermelhos estavam fixos nele, o rosto carregado de orgulho.

— Vamos ver se o milagre da admissão foi só sorte, ela disse, erguendo a lâmina. — Não pense que vou me conter.

Hiro não respondeu. Nem sequer ajustou a postura.

Mas pensou:

“Sakura Minazuki, Minha mestra, no futuro. Agora... apenas um broto. Me perdoe, mestra. Mas você precisa treinar mais intensamente.”

Antes que os dois se posicionassem, o instrutor levantou a mão.

— Atenção! O uso de aura está proibido neste treino.

Os murmúrios pararam.

— A aula prática de aura será ministrada em breve. Por enquanto, somente técnica corporal e arma permitidas. Nada de reforço corporal.

— Se entenderam, Comecem!

A luta começou.

Sakura avançou com força.

A odachi cortou o ar com precisão letal.

Hiro inclinou o corpo. Quase imperceptivelmente.

A lâmina passou a centímetros.

Antes que Sakura pudesse girar, o punho dele encontrou seu abdômen.

Seco. Frio. Calculado.

Ela arquejou. Cambaleou.

Recuou e voltou com uma sequência explosiva — cortes diagonais, giros do quadril, estocadas pesadas.

Hiro desviava de tudo.

Como se ela fosse lenta.

Como se ele estivesse dançando.

A cada erro, ele revidava com um golpe limpo:

— Um soco no estômago.

— Um tapa seco na lateral da cabeça.

— Uma joelhada no flanco.

Sakura resistia.

Ela grunhia, forçava, tentava encontrar abertura. Mas era como lutar contra alguém que lia seus pensamentos.

Hiro avançava e recuava no tempo exato.

Seus golpes não eram exagerados.

Apenas eficientes.

Cada passo era uma lição.

Cada contra-ataque, um lembrete: ainda falta algo.

Sakura caiu de joelhos. Ofegante. Lábio sangrando. Mãos trêmulas.

Ela ergueu o rosto.

— “Q-q-quê… quem é você…?”

Hiro apenas a olhou.

Por um instante.

E virou-se, em silêncio.

Silêncio total.

— Ele… nem usou aura...

— Nem sacou a espada…

— E venceu como se ela fosse iniciante…

Saori Kurosawa, que zombara de Hiro horas antes, estava pálida.

Hikari von Richter, braços cruzados, observava com um brilho indecifrável nos olhos.

Yumi, ao lado do campo, levou a mão ao peito outra vez.

“O que é isso que estou sentindo…? Ele é… perigoso… e ao mesmo tempo…”

— Combate encerrado! — anunciou o instrutor, ainda surpreso.

— Vitória de Hiro Tanaka.

Hiro voltou para a sombra da árvore.

Sem se exibir.

Sem falar.

Sem uma gota de suor.

“Se isso é o melhor que o Reino tem… estamos mais fracos do que eu lembrava.”