A sala de estudos da torre leste era silenciosa, envolta pelo calor morno do fim de tarde. Os vitrais altos filtravam a luz em tons suaves, tingindo o chão com cores que dançavam conforme o vento agitava as folhas do lado de fora.
Sentados lado a lado à grande mesa de mármore negro, Yumi Kazehara e Hiro Tanaka trabalhavam no projeto de pesquisa sobre as estruturas de manipulação mágica de runas arcaicas.
Ou pelo menos… Hiro trabalhava.
Yumi estava imóvel, com o pergaminho à sua frente, a pena presa entre os dedos delicados, mas a tinta permanecia intacta. Ela desviava o olhar cada vez que Hiro virava o rosto em sua direção. O som da respiração dele parecia alto demais. O silêncio entre eles, esmagador.
Por que estou assim...? É só um trabalho... só um colega...
Mas ela sentia cada batida do coração com intensidade absurda. Um calor estranho subia do peito até as bochechas sempre que ele se aproximava, mesmo que levemente, para apontar algo no livro ou sugerir uma linha de raciocínio.
Hiro, por outro lado, permanecia calmo. Seus olhos analisavam os textos, sua voz soava apenas quando necessário:
— Você pode anotar isso. Runa de conjunção tripla, símbolo 'seraphim', terceira variação. Página 48.
— A fundação dessa teoria está no manuscrito de Malthus. Aquele ali.
Direto, funcional.
Yumi tentou responder.
— C-certo... e-eu vou... vou anotar...
A pena riscou o pergaminho torta. Ela prendeu a respiração, sentindo a própria mão tremendo. Por que ele falava com ela daquele jeito? Não como os outros. Não com reverência. Nem com medo. Nem com idolatria.
Mas como se eu fosse só... uma pessoa.
Depois de minutos em silêncio, ela não aguentou mais.
— Hiro.
Ele ergueu os olhos.
Ela hesitou, as palavras presas na garganta. Mas então forçou-se a falar, mesmo que a voz saísse baixa, quase trêmula.
— Por que... por que você me trata assim?
— Assim como? — ele perguntou, sem alterar o tom.
Yumi olhou para o próprio colo, as mãos unidas, o coração disparado. Ela mal conseguia sustentá-lo nos olhos. Mas continuou, num sussurro carregado de confusão:
— Como uma garota... normal.
O silêncio que se seguiu pareceu longo.
Hiro suspirou levemente. E então respondeu, olhando para ela com sinceridade crua, sem rodeios:
— Porque... você é.
Yumi o encarou. Os olhos verdes arregalados. Como se aquelas palavras fossem absurdas. Inacreditáveis.
Ele voltou a olhar para o pergaminho.
— Todos parecem esquecer isso. Mas eu não.
Ela sentiu o ar fugir dos pulmões. Ficou sem palavras. Aquele simples “porque você é” ressoava dentro dela como um eco impossível de apagar.
Porque você é.
Era como se, pela primeira vez em muito tempo, alguém a enxergasse de verdade.
E naquele instante, Yumi Kazehara sentiu as lágrimas se acumularem nos olhos — não de tristeza, mas de algo que ela não compreendia ainda. Um sentimento novo. Quente. Vivo.
"O que é isso...? O que ele está fazendo comigo...?"
Ela desviou o olhar de novo, mordendo os lábios para conter o tremor no rosto. E pela primeira vez… desejou que aquele trabalho em dupla nunca terminasse.