A floresta Elmar se estendia como um manto vivo de verde e cinza. Galhos tortuosos, musgos brilhantes e uma névoa densa cobrindo o solo criavam um cenário quase onírico. Mas Hiro caminhava como se nada daquilo fosse digno de nota. Seus passos eram silenciosos, rítmicos, e sua expressão, como sempre, inalterada.
— …Você anda como um cadáver — comentou Saori Kurosawa, quebrando o silêncio com seu usual desprezo. — Nem um som. Nem um suspiro. Você é assim o tempo todo?
— E você reclama o tempo todo — Hiro respondeu, sem parar.
Ela estreitou os olhos, braços cruzados sobre o manto da academia. Seus cabelos dourados balançavam com o vento, e sua expressão, apesar de arrogante, tinha um leve rubor de cansaço.
— …Já coletamos três cristais etéreos. A missão pedia cinco. — ele disse, observando o mapa mágico flutuando acima de sua palma.
— Eu sei contar, Tanaka. Não preciso de um zumbi me narrando a missão.
Ele apenas a encarou por um instante.
— Se sabia, por que passou reto por um?
Ela congelou.
— O quê?
Hiro apontou para um pequeno vale à frente. Um brilho azul pálido pulsava entre as raízes de uma árvore caída.
— O quarto cristal. E provavelmente o último está logo após aquele desfiladeiro.
— …Eu só não quis pegar antes! — ela rebateu, forçando postura.
— Ou só estava distraída reclamando.
Saori mordeu a língua, contendo a vontade de jogar uma bola de fogo só para calá-lo.
Mas o que mais a irritava… era o fato de que ele estava sempre certo.
Enquanto avançavam pelo terreno enevoado, uma rajada fria soprou do leste. Algo mudou no ar. A floresta pareceu… prender a respiração.
Hiro parou no mesmo instante.
— …Não se mexa.
Saori bufou, ainda irritada.
— O que foi agora? Viu outro cristal com sua "cara de morto"?
Mas ela não completou a frase.
Porque naquele momento, algo rompeu a névoa.
Um som. Não um rugido. Não um estalo. Um arranhado no tecido da realidade.
Algo surgiu da névoa.
Quatro patas. Corpo disforme. Mandíbula exposta até o osso. Pele negra como piche, pulsante com veias azuladas. Um Raksha.
Voidborn. Classe bestial. Sem mente. Apenas fome.
O monstro rugiu, não como um animal, mas como um vazio que engole o som.
Saori ergueu a mão, invocando um círculo mágico triplo, mas… ele tremeu. A magia hesitou.
Seu corpo não se movia.
"M-meu corpo… não responde?!"
Medo. Puro, paralisante. O cheiro do Voidborn era como enxofre e metal queimado, e a aura dele distorcia a mana à sua volta.
— …N-Não… não… — Saori congelou. Os círculos mágicos em seus dedos se dissiparam.
Hiro deu um passo à frente.
E pela primeira vez, sua expressão mudou.
Ódio. Puro e concentrado.
Seus olhos não tremiam, mas seu maxilar cerrava. Um músculo pulsava no pescoço.
— Raksha. Classe bestial. Força bruta descomunal. Garras com neurotoxinas. Ossatura reforçada na mandíbula. Visão nula, rastreia por vibração de mana e cheiro de sangue. Lento em curvas. Vulnerável na base da nuca. — ele recitava como um mantra, sem emoção, mas carregado de fúria.
Saori ainda não conseguia se mover, mas seu olhar se fixava nele.
"Q-Que…? Como ele sabe disso?!"
"Rakshas não são catalogados. Isso… isso é impossível!"
O Voidborn avançou com velocidade brutal, quebrando uma árvore ao meio, abrindo a mandíbula num urro que parecia arrancado do abismo.
Hiro não recuou.
Ele desenhou três círculos mágicos azuis em espiral sob os pés, e a espada curta em sua mão brilhou. Não com glória, mas com morte.
— “Cheiro de enxofre… garras rangendo… a carne que grita mesmo antes de morrer…”
A voz dele estava trêmula. Não de medo. De raiva contida.
Como se cada palavra fosse parte de uma lembrança amaldiçoada.
"Ele… já enfrentou isso antes…"— pensou Saori, boquiaberta.
O Raksha tentou rasgar com as garras, mas Hiro deslizou sob o golpe, golpeando atrás da pata dianteira — uma articulação. O monstro rugiu e virou, lento na curva. Exatamente como ele dissera.
— Ponto fraco: base da nuca.
— Erro comum: atacar o tórax. Ossos demais.
— Finalização: inclinação da lâmina em 35 graus. Corte profundo, não reto.
Ele se moveu em linha reta, correu pela lateral, pisou no dorso e saltou. A lâmina cortou como um bisturi.
Sangue negro jorrou. O monstro gritou — e tombou.
Silêncio.
Saori ainda tremia.
— …Q-Quem… quem diabos é você…?
Hiro não respondeu.
Ele apenas guardou a espada, com a expressão fria de volta ao rosto.
Mas por um instante, ela viu.
A raiva. A dor. O passado que ele carregava como cicatrizes invisíveis.