Capítulo 53 – A Raiva nos Olhos

O caminho de volta à Academia foi silencioso.

Pelo menos até Saori não aguentar mais.

— Tá. Agora você vai me explicar, desgraçado!

Hiro continuou andando.

— Não tenho nada pra explicar.

— Ah, tem sim! — ela acelerou o passo, ficando lado a lado com ele. — Você matou um Voidborn da raça Raksha. Sozinho. Em segundos.

Ele a ignorava.

— Esses monstros não são catalogados. São criaturas do Vazio! Ninguém deveria saber os pontos fracos deles, porque ninguém que enfrenta um volta com a boca inteira pra contar! — ela estava quase gritando agora.

Hiro parou.

O silêncio da floresta pareceu prender a respiração.

Ele virou lentamente o rosto para ela.

E Saori recuou meio passo.

O olhar dele não era só sério. Era denso. Pesado. Como se o ar ao redor se tornasse mais frio.

— …Eles não são monstros.

— Eles são assassinos.

— Eles mataram a humanidade inteira.

Saori piscou, confusa.

— O… quê?

Hiro desviou o olhar, voltando a andar.

— Esquece. Você não entenderia.

Mas a maga não deixou barato.

Ela o seguiu, furiosa, mas com um fundo de receio.

— Não entenderia o quê, Porra?!

— Como alguém como você sabe tanto sobre os Rakshas?

— Por que ficou com aquele olhar?! Aquele… ódio?

Ele parou de novo.

— Porque eu vi o que eles fazem. — disse baixo.

— Porque eu vi o que sobra de uma criança depois de um Raksha passar.

— Porque eu escutei o som de uma cidade inteira morrendo.

Saori ficou sem palavras.

— …Você… tá mentindo.

— Acha mesmo? — ele se virou, um meio sorriso sem alegria no rosto. — Acha que eu ia inventar isso?

Ela encarou o olhar dele. De novo, aquela raiva profunda. Não algo passageiro. Era como carvão em brasa, queimando devagar por dentro.

— Você é um monstro. — ela sussurrou, quase sem perceber.

Hiro virou de costas.

— Não.

— Os monstros são os Raksha.

— Eu sou só alguém que sobreviveu.

E mais uma vez, ele foi embora.

Saori ficou parada por longos segundos, sozinha na trilha, com os pássaros voltando a cantar.

Mas a paz soava falsa.

"O que você é, Hiro Tanaka…?" — ela pensou.

A caminhada seguiu por mais alguns metros antes de Saori explodir de novo.

— NÃO! VOCÊ NÃO VAI SAIR DESSA FINGINDO QUE É UM CARA MISTERIOSO E SILENCIOSO!

Hiro parou. De novo.

Ela avançou até encará-lo de frente, os olhos azuis faiscando.

— Como diabos você, um plebeu, é estágio três de aura e terceiro círculo mágico?

Silêncio.

— COMO DIABOS VOCÊ MATOU A PORRA DE UM RAKSHA EM SEGUNDOS?!

A floresta ficou muda.

— COMO VOCÊ SABIA OS PONTOS FORTES E FRACOS DE UM MONSTRO QUE NÃO APARECIA HÁ SÉCULOS NO CONTINENTE?!

Ela ofegava, os punhos cerrados. A raiva não vinha só do medo — vinha da frustração. Do fato de ter congelado. De ter se sentido inútil.

E daquele maldito garoto, que mal abria a boca, carregar uma tempestade nos olhos.

Hiro respirou fundo.

— …Você pergunta demais.

— E você responde de menos! — ela retrucou.

Hiro encarou Saori. Ele não estava irritado. Nem cansado. Estava só… vazio.

— Quer saber como eu consegui tudo isso?

Ela o desafiou com o olhar.

— Vai em frente.

Ele se aproximou. Um passo. Dois.

A sombra dele cobriu Saori, e pela primeira vez, a garota que se orgulhava de estar no mesmo círculo que a elite… se sentiu pequena.

— Eu perdi tudo.

— …

— Treinei até meu corpo não suportar. Dormi entre os mortos. Comi o que dava pra mastigar. Matei quando precisei.

— E quando vi o mundo acabar, voltei pra consertar o erro.

Saori arregalou os olhos.

— Que…?

Hiro afastou-se.

— Eu sou um plebeu, Saori Kurosawa.

— Mas você não faz ideia do que isso realmente significa.

Ela ficou em silêncio. O som dos pássaros parecia distante.

"Voltar…? O que isso quer dizer…?"

Ele continuou andando. Desta vez, Saori não o seguiu de imediato.

Porque pela primeira vez desde que conheceu Hiro Tanaka, ela não sabia se ele era um aliado…

Ou algo muito, muito mais perigoso.