O caminho de volta à Academia foi silencioso.
Pelo menos até Saori não aguentar mais.
— Tá. Agora você vai me explicar, desgraçado!
Hiro continuou andando.
— Não tenho nada pra explicar.
— Ah, tem sim! — ela acelerou o passo, ficando lado a lado com ele. — Você matou um Voidborn da raça Raksha. Sozinho. Em segundos.
Ele a ignorava.
— Esses monstros não são catalogados. São criaturas do Vazio! Ninguém deveria saber os pontos fracos deles, porque ninguém que enfrenta um volta com a boca inteira pra contar! — ela estava quase gritando agora.
Hiro parou.
O silêncio da floresta pareceu prender a respiração.
Ele virou lentamente o rosto para ela.
E Saori recuou meio passo.
O olhar dele não era só sério. Era denso. Pesado. Como se o ar ao redor se tornasse mais frio.
— …Eles não são monstros.
— Eles são assassinos.
— Eles mataram a humanidade inteira.
Saori piscou, confusa.
— O… quê?
Hiro desviou o olhar, voltando a andar.
— Esquece. Você não entenderia.
Mas a maga não deixou barato.
Ela o seguiu, furiosa, mas com um fundo de receio.
— Não entenderia o quê, Porra?!
— Como alguém como você sabe tanto sobre os Rakshas?
— Por que ficou com aquele olhar?! Aquele… ódio?
Ele parou de novo.
— Porque eu vi o que eles fazem. — disse baixo.
— Porque eu vi o que sobra de uma criança depois de um Raksha passar.
— Porque eu escutei o som de uma cidade inteira morrendo.
Saori ficou sem palavras.
— …Você… tá mentindo.
— Acha mesmo? — ele se virou, um meio sorriso sem alegria no rosto. — Acha que eu ia inventar isso?
Ela encarou o olhar dele. De novo, aquela raiva profunda. Não algo passageiro. Era como carvão em brasa, queimando devagar por dentro.
— Você é um monstro. — ela sussurrou, quase sem perceber.
Hiro virou de costas.
— Não.
— Os monstros são os Raksha.
— Eu sou só alguém que sobreviveu.
E mais uma vez, ele foi embora.
Saori ficou parada por longos segundos, sozinha na trilha, com os pássaros voltando a cantar.
Mas a paz soava falsa.
"O que você é, Hiro Tanaka…?" — ela pensou.
A caminhada seguiu por mais alguns metros antes de Saori explodir de novo.
— NÃO! VOCÊ NÃO VAI SAIR DESSA FINGINDO QUE É UM CARA MISTERIOSO E SILENCIOSO!
Hiro parou. De novo.
Ela avançou até encará-lo de frente, os olhos azuis faiscando.
— Como diabos você, um plebeu, é estágio três de aura e terceiro círculo mágico?
Silêncio.
— COMO DIABOS VOCÊ MATOU A PORRA DE UM RAKSHA EM SEGUNDOS?!
A floresta ficou muda.
— COMO VOCÊ SABIA OS PONTOS FORTES E FRACOS DE UM MONSTRO QUE NÃO APARECIA HÁ SÉCULOS NO CONTINENTE?!
Ela ofegava, os punhos cerrados. A raiva não vinha só do medo — vinha da frustração. Do fato de ter congelado. De ter se sentido inútil.
E daquele maldito garoto, que mal abria a boca, carregar uma tempestade nos olhos.
Hiro respirou fundo.
— …Você pergunta demais.
— E você responde de menos! — ela retrucou.
Hiro encarou Saori. Ele não estava irritado. Nem cansado. Estava só… vazio.
— Quer saber como eu consegui tudo isso?
Ela o desafiou com o olhar.
— Vai em frente.
Ele se aproximou. Um passo. Dois.
A sombra dele cobriu Saori, e pela primeira vez, a garota que se orgulhava de estar no mesmo círculo que a elite… se sentiu pequena.
— Eu perdi tudo.
— …
— Treinei até meu corpo não suportar. Dormi entre os mortos. Comi o que dava pra mastigar. Matei quando precisei.
— E quando vi o mundo acabar, voltei pra consertar o erro.
Saori arregalou os olhos.
— Que…?
Hiro afastou-se.
— Eu sou um plebeu, Saori Kurosawa.
— Mas você não faz ideia do que isso realmente significa.
Ela ficou em silêncio. O som dos pássaros parecia distante.
"Voltar…? O que isso quer dizer…?"
Ele continuou andando. Desta vez, Saori não o seguiu de imediato.
Porque pela primeira vez desde que conheceu Hiro Tanaka, ela não sabia se ele era um aliado…
Ou algo muito, muito mais perigoso.