O sino de Arcadia soou três vezes — um toque prolongado, solene, que ecoou pelos corredores com um peso raro.
Hiro Tanaka ergueu os olhos do livro de estratégias mágicas que folheava sozinho na sala de estudos da Classe Elite. Poucos segundos depois, uma sombra surgiu na porta. Um funcionário da diretoria, vestindo o manto preto com insígnia dourada.
— Hiro Tanaka. O Diretor Caelan Drayven deseja vê-lo imediatamente.
A sala silenciou.
Nenhum aluno recebia um chamado assim. Pelo menos, não sem motivo grave.
Hiro fechou o livro calmamente, ignorando os olhares ao redor. Seu semblante permanecia tranquilo, mas no fundo, ele já suspeitava a razão.
A sala do diretor era espaçosa, mas austera. Livros antigos ocupavam as estantes, e símbolos mágicos pulsavam nas paredes de pedra negra. Caelan Drayven o aguardava, de pé, com as mãos atrás das costas e os olhos dourados fixos nele como os de um predador.
— Entre, Tanaka.
A porta se fechou atrás dele com um ruído grave.
— A senhorita Kurosawa me entregou o relatório completo sobre a missão da floresta Elmar — começou o diretor, direto. — Detalhado. Minucioso. Sem omissões.
Ele jogou uma pasta grossa sobre a mesa. O nome de Hiro estava estampado no topo.
— Você matou um Raksha. Uma criatura que, segundo todos os registros oficiais, foi erradicada do continente há trezentos anos.
Hiro não respondeu.
— Não era um monstro qualquer — continuou Caelan, encarando-o com atenção. — Era um voidborn bestial. Bruto. Sem traço de inteligência. Algo que os estudiosos julgam impossível de manifestar após a queda da Primeira Era.
Ele fez uma pausa, como se aguardasse uma reação. Hiro apenas manteve o olhar fixo.
— O que mais me chamou a atenção — disse o diretor, contornando a mesa — foram os comentários da senhorita Kurosawa. Ela escreveu: “Tanaka não apenas enfrentou a criatura com sangue-frio, como parecia antecipar seus movimentos. Localizou os pontos fracos com precisão. Agiu como alguém que já havia enfrentado esse inimigo antes.”
Ele se aproximou de Hiro, tão perto que o cheiro de incenso e magia antiga preencheu o ar.
— E então, Hiro Tanaka… como você explica isso?
— Não explico — respondeu Hiro, direto. — Apenas reagi. A criatura estava à solta. Tinha que morrer.
Drayven manteve o olhar por longos segundos.
— Os Rakshas foram os flagelos da humanidade durante séculos. Criaturas que exigiam dezenas de magos e guerreiros para conter. Você não só matou um, como o fez sozinho. E sobreviveu ileso.
Hiro não respondeu. Não era necessário.
— A Academia está alerta agora — declarou o diretor, voltando à mesa. — Se o véu do passado está se rasgando, precisamos de respostas. E se você for uma dessas respostas… esteja preparado.
Ele se sentou, finalmente.
— Está dispensado. Mas não ache que poderá caminhar pelas sombras por muito tempo.
Hiro assentiu e saiu em silêncio.
Mas no fundo, ele sabia: esse era só o começo
Enquanto isso, Saori estava pesquisando na Biblioteca Oculta da Arcadia
Ela girava páginas com fúria, sentada sozinha numa mesa isolada, cercada por livros antigos.
“Seres Malditos e suas Lendas”. “Relatos Pré-Colapso”. “Magia Proibida e seus Portadores”.
Um grimório flutuava diante dela, girando devagar.
— Nada… nada… absolutamente NADA! — murmurou, frustrada.
Ela se recostou, irritada, os olhos fixos no teto abobadado.
— Como ele sabia? Como ele lutou daquele jeito? — sussurrou. — Isso… não é normal.
A lembrança da batalha a assombrava. A calma nos olhos de Hiro. A precisão. A frieza.
Como se ele soubesse exatamente o que fazer. Como se já tivesse feito antes.
— Eu vou descobrir o que você é, plebeu.
Uma voz cortante ecoou atrás dela:
— Vai ter que entrar na fila.
Saori se virou, surpresa. Hikari von Richter estava ali, encostada em uma das estantes.
Mãos nos bolsos, expressão neutra, olhos negros e inexpressivos.
— Você também tá investigando ele? — perguntou Saori, desconfiada.
Hikari deu de ombros, caminhando lentamente até a mesa.
— Eu apenas... observo o que é incomum. Ele é.
— Você tem faro pra isso, é?
— Digamos que sei reconhecer pessoas com… olhos treinados — respondeu Hikari, cuidadosamente ambígua.
— Que tipo de treinamento leva alguém a ficar tão frio num combate?
— Pergunta errada — disse Hikari, pegando um dos livros sobre Rakshas. — A pergunta certa é: por que ele tentaria esconder esse lado?
Saori estreitou os olhos.
— E você nunca ouviu falar dele antes?
— Já ouvi o suficiente — respondeu Hikari, sem entregar nada.
As duas se entreolharam, como duas predadoras farejando o mesmo mistério.
— Trégua? — disse Saori.
— Trégua. Mas se eu descobrir primeiro, você me deve uma resposta sincera.
— Hah. E se eu não quiser responder?
Hikari sorriu de canto, sombria.
— Então não se meta no meu caminho.
No jardim Interno da Academia, Sentada sob a sombra de uma cerejeira, Yumi mantinha o rosto escondido entre os joelhos, envergonhada. Mari folheava com entusiasmo o livro “47 Formas de Conquistar um Garoto”.
— Olha esse, Yumi-chan! Página 27: “Elogios Enigmáticos”! Tipo, ‘nossa, você parece diferente hoje...’ mesmo que ele esteja igual desde o primeiro dia!
Yumi suspirou, tímida.
— Ele nem responde… é como falar com uma parede.
— Mas você gosta dele mesmo assim, né?
Yumi não respondeu, apenas afundou mais o rosto. As orelhas estavam completamente vermelhas.
Mari riu alto.
— Pronto. Decidido! Amanhã, você vai elogiar o corte de cabelo dele. Operação Cabelo Notável começa às oito em ponto!
Yumi olhou para o céu azul por entre as folhas.
E seu coração bateu mais forte.