Capítulo 63 – Fagulhas

A primeira aula prática de magia finalmente chegou.

No pátio de treinamento da ala mágica, a classe elite formava um semicírculo em volta dos alvos flutuantes, enquanto runas azuis pulsavam nas pedras do chão. O sol batia forte, e o ar parecia vibrar com mana condensada.

Hiro Tanaka permanecia em silêncio, de braços cruzados, observando tudo. Não sorria. Não conversava. Apenas absorvia, como uma estátua entre pessoas que pareciam barulhentas demais.

Mas havia olhos nele.

Yumi Kazehara, a santa intocável, estava a poucos metros, fingindo ajustar o grimório. De tempos em tempos, desviava os olhos em sua direção, sentindo o peito apertar com uma ansiedade inexplicável. O coração acelerava. Os dedos tremiam. Ela se esforçava para parecer natural — acreditando piamente que escondia bem.

O que, claro, era uma piada.

Porque desde o episódio da carta, toda a classe já sabia.

Desde que Hiro recebeu aquela correspondência da irmã e ficou minutos parado sob a árvore com uma expressão humana e suave — e Yumi, do outro lado do campo, ficou encarando-o com os olhos marejados e a mão sobre o peito. Desde aquele momento… ninguém mais teve dúvidas.

Só ela achava que ninguém percebia.

— “Yumi-chaaan…” — Mari apareceu do nada, com o sorriso afiado como uma lâmina.

— “Não começa.”

— “Acho que quem começou foi você. Desde aquele dia da cartinha, a academia inteira já sabe.”

Yumi desviou o olhar, corando forte.

— “Eu não tô apaixonada. Eu só... admiro ele.”

Mari arqueou uma sobrancelha.

— “Ah. E o coração disparando toda vez que ele respira é só reação alérgica?”

— “Mari...”

— “Amiga, você vive olhando pra ele com aquela cara de ‘me escolhe, me nota, me ama’.”

— “Tá exagerando.”

— “Você chamou ele de meu Hiro ontem. Em voz alta. Na biblioteca.”

Yumi travou. Seu cérebro tentou negar, mas... ela lembrou. E quis desaparecer.

— “Eu... foi sem querer!”

— “Então admite logo.”

— “Tá bom, tá bom! Eu gosto dele, tá?! Pronto. Gosto mesmo! Gosto daquele idiota fechado, insuportavelmente denso! Pode rir, espalhar, o que quiser!”

Um silêncio desconfortável se espalhou.

Yumi arregalou os olhos. Devagar, virou o rosto.

A classe inteira estava olhando. De novo.

Mari sorriu.

— “É, né. A gente já sabia.”

— “O QUÊ?!”

Até Saori, do outro lado do círculo, cruzou os braços. quando ouviu o nome de Hiro e a Santa falando que gosta dele, ela sentiu algo, que ela preferia não nomear.

— “Demorou, hein.”

Sakura, calada, desviou os olhos. O peito dela apertava com uma força que não queria nomear. Toda vez que olhava para Hiro, seu coração batia como se algo dentro dela lutasse para sair — e ela odiava como não conseguia entender. Ou pior, como começava a entender… tarde demais.

A voz da instrutora interrompeu o clima:

— “Saori Kurosawa. Sua vez.”

A loira andou até o centro com a confiança de quem sabe que vai brilhar. Um círculo mágico de vento e fogo surgiu ao redor dela, girando com poder latente.

— “Espero que estejam todos prestando atenção… inclusive você, Tanaka.”

Hiro permaneceu imóvel.

Ela lançou a magia. Cinco feixes flamejantes com lâminas de vento cortaram o ar e acertaram os alvos flutuantes com precisão. A classe aplaudiu.

Hiro não.

— “Boa execução,” ele disse. “Mas o fluxo de mana oscilou no terceiro disparo. Um inimigo ágil teria escapado.”

Saori girou nos calcanhares, irritada.

— “Você é sempre assim? Incapaz de elogiar alguém?”

— “E você é sempre tão sensível a crítica?”

Alguns riram baixo. Até Mari teve que conter o riso.

— “Repete,” completou Hiro.

— “O quê?”

— “Se foi perfeito, repete. Se não conseguir, o erro foi real.”

Yumi tentou segurar, mas uma risadinha escapou.

Sakura também. Só um pouco.

Saori bufou, se afastando de volta ao seu lugar.

Mais tarde, com os alunos se dispersando, Hiro permaneceu na sombra de uma árvore, lendo uma nova carta vinda de casa. Era de Mio.

Enquanto lia, a expressão dele suavizou. Ainda séria, mas mais… viva. Os olhos se fecharam por um momento, e ele segurou o papel com um cuidado que poucos já tinham visto nele.

Yumi o observava de longe.

E, naquele instante, teve certeza.

Ela estava completamente apaixonada por um garoto que carregava dores invisíveis, que não sorria mais como antes — e que, talvez, nunca voltasse a sorrir.

Mas mesmo assim… o coração dela só batia mais forte por ele.

Mari apareceu de novo ao lado.

— “É, Yumi-chan, agora não tem mais volta.”

Yumi não respondeu.

Sakura, ao longe, também não disse nada. Mas apertou os punhos, confusa e irritada com a própria fraqueza. O nome dele grudava nos pensamentos, e ela não sabia se queria esquecer… ou se já era tarde demais pra tentar.

E Hiro? Continuava ali, com a carta nos dedos.

Intocável como sempre.

Mas talvez… um pouco mais humano agora.