Capítulo 71 – O Olhar de Quem Observa

A tarde avançava, tingindo os céus da Arcadia com tons de âmbar e lilás.

O campo de treino ainda pulsava com energia residual. Alunos vinham e iam, mas no centro, ele continuava lá.

Hiro Tanaka, espada embainhada, sentado sob uma árvore, olhos fechados — como se descansasse. Mas quem o conhecia (ou ao menos tentava) sabia: ele estava meditando. Ou analisando.

Na arquibancada, Yumi permanecia quieta, fingindo ler o grimório (de novo). Ao seu lado, Mari comia uma maçã verde, observando tudo com olhos de águia disfarçada de coruja fofa.

— Yumi-chaaaan... cantarolou Mari com a boca cheia.

— Agora não.

— Lembra quando eu disse que outras garotas poderiam gostar dele?

— ...Sim.

— E você disse que era só impressão minha?

Yumi virou o rosto, confusa.

— O que você tá insinuando agor—

Mari apontou com a mordida da maçã.

— Ali. Quatro fileiras abaixo. Blusa azul. Cara de tédio forçado.

Yumi acompanhou o olhar. Arqueou uma sobrancelha.

Saori Kurosawa.

Sentada casualmente, com o bastão mágico apoiado no ombro e a perna balançando no ar. O olhar? Fixado em Hiro. Não por um segundo. Nem dois. Mas... tempo demais.

Yumi arregalou os olhos, murmurando:

— Ela está... vigiando ele?

— “Investigando" é a palavra que ela usaria. Mas... olha a mordida no lábio inferior. Isso é código para "por que você é tão calado e interessante ao mesmo tempo, seu idiota bonito".

— Mari...

— Não fui eu que escrevi o manual do flerte mágico silencioso. Foi o Capítulo 9 do Magia, Mistérios e Amores que Dão Errado.

Yumi desviou o olhar. Mas o coração... já tinha ficado pesado.

Na mesma arquibancada, só que mais à esquerda, Sakura também viu.

Ela estava prestando atenção em Hiro ainda, mas o movimento repetido dos olhos de Saori chamou sua atenção. O modo como ela apertava o bastão mágico, como fingia desviar o olhar quando Hiro se mexia. Mas sempre voltava. Sempre.

Sakura estreitou os olhos.

— Hmph.

Ela se levantou, caminhando em direção à saída com a espada nas costas. Mas antes de virar o corredor, olhou por cima do ombro — direto para Saori — e disse, em tom baixo, mas firme:

— Você está encarando ele demais, Kurosawa.

Saori piscou.

— É parte da minha observação. Tenho meus motivos.

— Claro. Sakura virou o rosto. — “Motivos... sentimentais"?

Saori travou por um segundo.

— O que você está insinuando?

— Nada, respondeu Sakura, fria. — Mas se continuar encarando, vai atrair mais do que atenção.

E saiu.

Saori ficou sentada, agora... visivelmente desconfortável.

Yumi, ainda de longe, observava tudo.

E sentia o coração bater mais rápido.

— Eu... pensei que estivesse sozinha nisso, murmurou.

Mari cruzou os braços, com um meio sorriso.

— Hiro Tanaka. O monolito emocional que não percebe nada, mas atrai tudo.

— Isso não é justo...

— Amor nunca é.

No centro do campo, Hiro abriu os olhos.

Não olhou para ninguém. Mas por um segundo... pareceu pensar:

Por que todo mundo me encara ultimamente?

E voltou a fechar os olhos.