O céu se pintava com tons quentes de laranja e vinho quando Hiro parou diante da fonte central do pátio norte. Sua postura era, como sempre, imperturbável. Mas dentro de sua mente, duas realidades coexistiam.
Uma, aqui. A presença de sua família. Mio corria com flores nas mãos, sorrindo como só crianças sorriem. Seus pais conversavam — discretamente impressionados por tudo ao redor. Ao longe, Yumi, Sakura e Saori o observavam, cada uma em silêncio.
E a outra…
…muito mais escura.
"Faltam algumas horas para o torneio."
"E o voidborn ainda não atacou."
Já fazia uma semana desde que sentiu a primeira distorção. Fraca. Diluída. Quase imperceptível.
Mas Hiro conhecia aquela sensação.
"A mana... não viva. O fluxo instável. A oscilação antinatural na densidade arcana."
"É um voidborn."
Dessa vez, ele não hesitou. Começou a rastrear a presença todas as noites, enquanto todos dormiam. Utilizou técnicas de percepção de aura ampliada, mescladas com mana externa. Aprimorou cada sentido até mapear o fluxo das camadas mágicas ao redor da Academia.
E então… ativou o plano.
Debaixo da ala leste, em uma antiga câmara esquecida por quase cem anos — o “Laboratório Obscuro de Thaumaturgia”— Hiro encontrou um local perfeito. Ele mesmo quebrou as travas enfraquecidas pelas décadas e entrou.
Lá, começou sua preparação.
"Selos de contenção... reforço arcano… barreiras mnemônicas… tudo em linguagem rúnica antiga."
"Ninguém mais no mundo consegue ler isso. Porque ninguém mais sabe."
"Mas eu sei. Porque precisei disso para sobreviver no fim."
Sim. Hiro Tanaka… dominava runas primordiais.
Uma língua morta há duzentos anos.
"Eu estudei no meio do caos"
"Quando passei um mês inteiro cercado por bestas do Vazio e precisei entender os selos deixados por magos mortos."
"Quando precisei ativar armadilhas ancestrais para não ser despedaçado enquanto rastejava entre destroços."
Seus olhos fixaram o reflexo da água da fonte.
E ali, viu.
Aquela casa.
A antiga casa de madeira na zona rural, onde passou parte da infância. Onde, no futuro, aos dezessete anos, retornou durante as férias da Academia… para encontrá-la em silêncio.
Portas abertas.
Manchas no chão.
Restos carbonizados da parede.
E o grito — aquele grito — da mãe dele implorando pra viver, enquanto mandava Mio fugir comigo.
"Dois anos a mais, e ela foi... comida viva."
"Por um voidborn bestial.
"Enquanto eu era um maldito preguiçoso da Classe comum."
"Enquanto eu achava que ainda havia tempo."
Hiro fechou os olhos.
O som da risada do monstro ainda estava gravado.
"Eu me lembro, quando o monstro matou minha família, aquele bestial, rindo.
"Como se zombasse."
Ele inspirou.
Na superfície, Mio ria ao lado de Sakura, tentando imitar uma pose de samurai. Saori apenas observava de longe, os braços cruzados — mas os olhos fixos nele. Yumi sorria, tímida, próxima a Mari.
E Hiro pensava:
"Dessa vez, não vai se repetir."
"Seja durante o torneio… ou depois…"
"Assim que o doppelganger se revelar…"
Ele visualizou o selo runiforme que gravou com sangue próprio.
"...vou arrastar esse monstro para o abismo."
"E devolvê-lo pro vazio de onde nunca deveria ter saído."
"Por Mio. Por todos."
O vento soprou, leve, mas Hiro não o sentiu.
Porque sua alma… estava em guerra.